Primeiramente devemos destacar que o superendividamento, ou seja, a pessoa que acaba por contrair dívidas que excedem sua capacidade de quitação, no sentido de que não permitem ao sujeito pagá-las sem retirar de parte de seu patrimônio, que seria utilizado para suas necessidades básicas e essenciais de sobrevivência e dignidade, é um grave problema social presente mundialmente e no Brasil, devendo os juristas olhar a questão após compreendê-la em sua totalidade, sem preconceitos.
Depois, devemos destacar que dada à frequência e importância do Direito em enfrentar este fenômeno, mostrou-se oportuno e de suma importância, embora tardio o marco legal ao enfrentamento do problema dado pela Lei 14.181 do corrente ano. Tal pretensão surgiu com o Projeto de Lei do Senado/PSL nº 283 de 2013, fruto do trabalho de várias juristas e acadêmicos, segundo Pablo Stolze e Carlos Eduardo de Oliveira:
“(…) A Professora Claúdia Lima Marques, ao lado de talentosos juristas – como a juíza Clarissa Costa de Lima -, atuou com abnegação pela aprovação da preposição. A classe dos civilistas expressou seu apoio por meio de renomadas instituições, como o Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont), sob a presidência do Professor Flávio Tartuce, e o Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor), sob a presidência do Promotor Fernando Rodrigues Martins.(…)
O nascimento da nova lei também deve ser creditado a várias robustas produções acadêmicas e doutrinárias sobre o assunto, a exemplo das obras da Professora Clarissa Costa de Lima e da Professora Marília de Ávila e Silva Sampaio”. (DE OLIVEIRA e GAGLIANO, pg. 10).
Considerados estes pressupostos falaremos do Princípio do Crédito Responsável e, como este funciona quanto ao Superendividamento, podemos afirmar de maneira geral que este visa direcionar as empresas fornecedoras de todos os tipos de crédito, como por exemplo, as financiadoras as que mais comumente fornecem crédito em nosso país, a adotar boas práticas negociais, porém, esta norma, também abrange devedores e o Poder Público.
Para o Poder Público fica o dever de fiscalizar quaisquer práticas que desobedeçam ao crédito responsável através de seus órgãos, bem como criar regras e políticas públicas para que o princípio seja sempre respeitado. Os credores ficam proibidos da oferta de crédito irresponsável, bem como devem seguir o princípio da boa-fé objetiva em suas relações com devedores de forma a não enganá-lo ou induzi-lo a contratar crédito impagável para sua capacidade socioeconômica, assim como a não aumentar ainda mais o valor de sua dívida, informando-o devidamente. Já ao devedor resta o dever de abster-se de assumir dívida além de sua possibilidade de pagamento.
Quanto ao assunto já mencionado da capacidade socioeconômica e das necessidades essenciais do consumidor, importante apontar que o Princípio do Crédito Responsável, aliado com a doutrina e jurisprudência, possuem critérios nesta perspectiva a serem mencionados, advindos do conceito de paradigma da essencialidade criado pela Professora Tereza Negreiros, que em síntese quer dizer conforme menciona Carlos Eduardo Elias de Oliveira com base no dito conceito: “(…) Os direitos devem ser classificados em direito essenciais, direitos úteis e direitos supérfluos. Quanto menor for o grau de essencialidade do direito, menor deve ser a intervenção do Direito.” (OLIVEIRA,Carlos Elias de. O princípio da proteção simplificada do agraciado e a responsabilidade civil do generoso. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONELG/Senado, dezembro de 2018 (Texto para discussão nº 254).
Em conclusão, este princípio visa socorrer aquele que foi tolhido de suas necessidades básicas por um superendividamento, mas não socorre aqueles que se encontram nesta situação consumindo artigos de luxo ou supérfluos. Resta agora aguardar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais neste sentido, quanto ao assunto.
Vilson Farias Aline Magalhães Montes
Doutor em Direito e Escritor Advogada
Referências Bibliográficas: GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos Eduardo. “Comentários à Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181, de 1º de Julho de 2021) e o Princípio do Crédito Responsável”. Artigo publicado na Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil, Ano XXIII, Nº 133 – Set.-Out. , 202, Ed. Síntese. ISSN 2179-166X.