Abandono afetivo e abandono material

Felipe Piltcher, pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP/RS).

Recentemente, tendo a Ministra Nancy Andrighi como relatora, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou um pai a indenizar sua filha por danos morais. O fato que ocasionou a obrigação de indenizar foi o abandono afetivo – devidamente comprovado desde a infância da filha.

Questão importante é que, ao longo do tempo, o pai em questão não se eximiu do dever de pagar alimentos. Portanto, a decisão é um marco na diferenciação entre abandono afetivo e abandono material.

Esta decisão é, também, consequência lógica de um longo processo de evolução vivido pelo direito familiar, por meio do qual se busca um olhar mais atento ao afeto e a outros aspectos essenciais nas relações humanas.

Por certo, tal evolução deve ser acompanhada de responsabilidade. Afinal, escapa ao direito a capacidade de reconhecer e lidar de forma efetiva com questões subjetivas e intimamente ligadas ao processo de formação do indivíduo. Daí a necessidade de uma abertura para que outras ciências participem do fenômeno jurídico, neste caso, mais especificamente a ciência da psicologia.

Historicamente, condenações do tipo dependiam de provas relacionadas ao aspecto material, como o não pagamento de alimentos. Seria o caso do genitor que corriqueiramente atrasa o pagamento de alimentos, cria empecilhos para o pagamento, força a judicialização e outras condutas do tipo.

Agora, além de reconhecer a necessidade de reparar o abandono material,o direito passa a julgar indenizável a omissão paterna ou materna em outras questões igualmente importantes na formação do filho: suporte emocional, estímulo nos diferentes aspectos da vida, cuidado, atenção e demais questões relacionadas.

Dr. Jorge Trindade, referência no tema, alerta para as drásticas consequências da privação afetiva na formação do indivíduo – podendo provocar severas e irreversíveis patologias. Na mesma linha, a Ministra Nancy Andrighi outrora já havia declarado que “aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico (…) Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”.

Portanto, unindo-se ao saber da psicologia, deve o operador do direito atentar para o dever de cuidado, prescrito em lei, assim como princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança, a solidariedade familiar, dentre outros.
Não sendo o bastante, se faz importante trazer à tona o Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio do qual, o legislador determina ser dever da família assegurar a efetivação dos direitos referentes à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à convivência familiar, dentre outros.

Ora, bastaria mencionar o direito à saúde para que possamos colocá-lo em confronto com a conduta do genitor que, omitindo-se, ocasiona sérios danos à saúde mental e psicológica do filho.

Questão que surge é descobrir o limiar: em que momento se passa, de um genitor pouco participativo, para um genitor que abandonou afetivamente o filho? Neste ponto, se faz necessária análise do caso concreto. O que este genitor tinha condições de oferecer? Há razão para suas omissões? Como tais questões afetam a vida do filho? São todas questões que devem ser pensadas. O certo é que devemos reconhecer, de forma clara, a existência de um dano, uma conduta danosa (o abandono), e uma nítida relação entre eles.

Em paralelo, se pode dizer que o abandono material ocasiona o mesmo dever de indenizar. Conforme o caso, ambos os abandonos poderão se acumular, formando uma prova mais robusta, ou poderão ser identificados isoladamente. Afinal, o certo é que podemos afirmar: presença financeira não serve como defesa diante do abandono afetivo.

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