Falar sobre eutanásia requer cautela. A palavra por si só já traz um tom mais obscuro quando é citada, traduzida como “ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis”, segundo o próprio dicionário da língua portuguesa. Na sua origem grega, a palavra é traduzida como “boa morte”. Como na grande maioria das vezes na área da medicina e da ciência, esse termo aplica-se aos animais também, porém de forma muito mais frequente e incisiva.
Na medicina humana, os tabus são muito maiores. Há países europeus – como a Bélgica – onde o “suicídio assistido” (termo que substitui a palavra eutanásia) é permitido após a comprovação através de médicos de que o estado do paciente é irreversível, junto com a aprovação da família. Na maioria dos países o termo é acirradamente debatido e não há consenso. Os lados contra e a favor da eutanásia embatem-se sem que haja um consenso. Na medicina veterinária, no entanto, essa prática é aceita e indicada em situações especificas, sendo que a maneira indiscriminada é veementemente proibida.
O Conselho Federal de Medicina Veterinária possui suas próprias diretrizes que norteiam os procedimentos não apenas de eutanásia, mas também de abate humanitário sob realização ou vigilância dos médicos veterinários responsáveis. Existe um guia de boas práticas para a realização dos procedimentos, onde cita que “no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 16, alínea “f”, da Lei nº 5.517, de 23 de outubro de 1968, instituiu normas reguladoras de procedimentos relativos à eutanásia em animais, mediante a publicação da Resolução nº 714, em 20 de junho de 2002”. Esse guia regulamenta como e quando devem se optar por essa medida, visando principalmente cessar e evitar o sofrimento do animal.
No que tange aos animais de companhia, a eutanásia deve ser indicada pelo médico veterinário quando há sofrimento excessivo impossível de ser controlado através de medicamentos analgésicos ou sedativos e o comprometimento da saúde animal seja irreversível. Além disso, os tutores sofrem na mesma magnitude, assistindo ao quadro clínico apresentado pelo seu animal de estimação, e em casos onde não haja recursos financeiros disponíveis para que os custos de um tratamento sejam bancados também se deve indicar a eutanásia, visto que o sofrimento do animal só tende a aumentar.
Só após o consentimento dos tutores mediante explanação da irreversibilidade do caso e frente ao sofrimento do animal, o procedimento pode ser realizado. O profissional deve ser extremamente ético e respeitoso, escolhendo com maestria o modo de realização. O mais comumente usado em clinicas e hospitais veterinários é a anestesia seguida de agentes injetáveis complementares, tornando a morte um processo tranquilo e indolor – tanto para o animal quanto para os tutores, porém outras formas também são permitidas pela legislação e sua escolha depende do profissional veterinário. Um ponto importantíssimo é que o médico veterinário deve confirmar a morte do animal após o procedimento.
Em animais de produção, os casos mais comuns que existem e são contemplados pela legislação são no abate humanitário de animais. A insensibilização realizada nos frigoríficos das mais variadas espécies é feita através de métodos físicos (em sua maioria) e evita o sofrimento dos animais no momento da sangria, que é onde o animal efetivamente morre. Na rotina de animais de produção, também há indicação de abate quando o animal confere riscos à saúde pública, ambiental ou de outros animais, além de cessar o sofrimento causado por doenças infectocontagiosas.
Não é fácil falar de eutanásia. Mais difícil ainda é ter que lançar mão desse procedimento. Se torna irônico que uma profissão que salva vidas tenha que cessar o sofrimento de muitos animais através da abreviação da vida. Por isso o fardo emocional que muitos colegas veterinários carregam é grande, pesado. O médico veterinário é um profissional tão iluminado que cabe a ele essa decisão. Porém, os animais são seres tão mais iluminados que eles sabem, naquele momento, que não estão sendo mortos. Eles sabem que vão parar de sofrer após aquele procedimento. As dores incontroláveis, tanto físicas quanto emocionais de verem seus tutores sofrendo, vão cessar finalmente. De alguma forma, eles sabem.
Dica veterinária da semana
Leve seus animais para fazer exames clínicos periodicamente, buscando detectar doenças previamente. Isso evita que certas afecções sejam detectadas apenas tardiamente, além de permitir um acompanhamento mais preciso junto ao médico veterinário.