
Ao que tudo indica, uma sucessão de erros faz os residentes do Loteamento Madeira, também chamado de Maria Enilda, por ser esse o nome da então dona da área, sejam obrigados a caminhar ou trafegar de carro por ruas estreitas, que também ficam cheias de barro quando chove, além de conviver com o esgoto que é despejado em via pública. O loteamento foi criado em 2005 e, desde então, os moradores reclamam dos constantes problemas que afetam o local.
Para a professora Édna Teixeira, 42 anos, o transtorno não fica concentrado apenas nos dejetos que saem das moradias próximas a dela e que exalam um forte odor, principalmente nas estações de temperaturas elevadas. O desafio também é sair de casa, muitas vezes com o filho de apenas sete meses em meio ao lamaçal que se forma quando chove.
“São 10 anos passando por isso. Para ir ao trabalho, é comum eu ter que levar outro par de calçados, pois ao chegar à escola é necessário trocá-los, já que me atolo no barro ao dar os primeiros passos quando saio de minha casa”, reclama.
A poucos metros dali a indignação também é do auxiliar de serviços gerais Kevin Vaz, 27 anos, mas não só pelos mesmos motivos da vizinha. “Eu moro aqui há somente um ano e meio, o suficiente para não aguentar mais. Esse atoleiro é só uma das situações insuportáveis para a nossa família. Nosso prejuízo foi além, já que para sair com o carro de casa nessa rua estreita, se faz necessário subir em marcha ré, pois em uma das vezes em que tentei fazer o trajeto normal, quebrei o para-choque e ainda não consegui substituí-lo”, contou. Ele continua: “Há dois meses, nós moradores nos reunimos com os representantes da Prefeitura, inclusive com o prefeito. Ficaram de vir na semana seguinte e nada. Entendo que choveu muito, mas de lá para cá, foram 17 dias de tempo bom e, mesmo assim, de novo, nada”.

Por fim, resumindo os tantos transtornos enfrentados por quem adquiriu um dos lotes, ouvimos Neli de Lima Porto, 77 anos, e que há 17 vê a casa inundada pelas enxurradas. Mas a idosa afirma que um pouco do transtorno tem a ver com fato de que a casa, situada na rua Télbio Leite, foi construída abaixo do nível da via. “À época, bem como hoje, eu não possuía condições financeiras para primeiro erguer o porão e, posteriormente, a casa propriamente dita e, com isso, ela ficar no nível exigido. Mas e agora que terei que sair, vão me dar outra moradia?”, indaga a aposentada. Neli diz ter pedido ajuda para as últimas três gestões de Piratini, porém nunca foi atendida.
Ao buscar a posição do município, conversamos com o secretário de Urbanismo e Serviços Públicos, Henrique Rosa da Silva, que apontou a causa de os servidores da pasta não terem realizado as manutenções no local. “Sim, a reunião realmente foi há dois meses e concordo que tivemos muitos dias de sol. Não fomos realizar o serviço por dois motivos: minha secretaria não possui uma patrola, de fato, e dependemos de outra pasta a nos ceder essa máquina para que possamos dar manutenção nas ruas. Mas esse não é o principal fator: ocorre que enfrentamos um problema crônico de falta de jazidas, as chamadas “cascalheiras”, que é de onde se deve extrair o material para colocar nas vias. Hoje há imensa dificuldade para encontrar onde subtrair isso. A Prefeitura está empenhada, mas não depende dela, e sim, da liberação do órgão ambiental”, justificou.
Quanto ao que leva à inundação da casa de Neli, o secretário disse conhecer o problema. “Tudo começou errado nesse loteamento. A tubulação que é preciso instalar, mas que já deveria existir antes mesmo de vender os terrenos, quase não existe e, onde há, como por exemplo, na Télbio Leite, a dimensão dos tubos é incompatível com a vazão, a quantidade de águas em decorrência das enxurradas”.
Quanto à situação da idosa, Silva apresentou uma solução para amenizar o problema. “O que vamos fazer é retirar esses bueiros de 30 milímetros e colocar outros de, no mínimo, 40 milímetros de diâmetro. Além, é claro, de desobstruir as caixas coletoras, as ‘bocas de lobo’, o que possivelmente poderá ajudar para que a moradia dela, construída fora do nível, deixe de ser inundada. Nossa intenção é fazer, inicialmente neste loteamento, uns 400 metros de rede neste sentido”.
A canalização a qual Henrique Silva se refere forma a rede de esgoto pluvial, o que também é um dos problemas enfrentados pela professora Édna. Portanto, uma das tantas falhas existentes no loteamento construído em duas etapas, sendo a primeira em 2005.
Por fim, buscamos a loteadora Maria Enilda Rosário Leite, 77 anos, que sintetizou sua desobrigação em uma frase: “Lamento, não há o que eu possa fazer”.
De acordo com a loteadora, os dois decretos assinados pelos prefeitos à época, Francisco Luçardo e Vilso Gomes, a desobrigam de resolver as situações apontadas pelos moradores.
“Infelizmente, nada posso fazer, pois entendo que cumpri tudo que a Prefeitura me exigiu nos anos citados, já que se isso não fosse um fato, a autorização através dos decretos não teria sido dada. Somente na rede elétrica, gastei R$ 300 mil, pois me foi cobrado essa parte de infraestrutura. Então, o que a mim impuseram para que eu pudesse vender os terrenos, foi feito e obedecido”, assegura Maria Enilda, que requisitou que procurássemos o engenheiro civil Ubirajara da Rosa Goulart, contratado por ela para executar a obra.
Contatado pela reportagem, Goulart afirmou: “Obedeceu-se ao que rezava na lei quando o loteamento foi criado. Grande parte disso que hoje exigem no que diz respeito à infraestrutura, não existia à época”.
O ex-prefeito Luçardo, responsável por assinar o primeiro decreto em 2005, garante: “Autorizei porque a lei federal vigente em minha gestão me permitiu autorizar”.
Tentamos ouvir o também ex-gestor do município, Vilso Gomes, que, em 2010, autorizou a loteadora implantar a segunda parte do Madeira. Mas a comunicação por telefone foi prejudicada pelo déficit de sinal, já que Gomes não se encontrava na cidade, ficando ele de retornar o contato em outro momento.
Márcio Luçardo, secretário de Planejamento e Projetos, pasta que gere inclusive o programa de calçamento da atual gestão, disse que, em virtude das regras em ano eleitoral, ao menos nos próximos seis meses, pouco pode ser feito quanto à pavimentação. Mas ele frisa: “Vamos ao bairro para fazer o levantamento, etapa inicial e que antecede a confecção do projeto. Após o final da eleição municipal, será a vez de ir à busca de recursos para beneficiar com o calçamento também este loteamento”.
Para finalizar, buscamos o que diz na Lei Federal, que é de 1979, para que as prefeituras de todos os estados brasileiros possam autorizar os loteamentos. No dispositivo que ainda embasa a lei municipal estão as regras seguintes regras a serem obedecidas: rede de água potável, rede de energia elétrica, rede de iluminação pública e domiciliar e, por fim, rede de esgoto pluvial, composta por bueiros com a finalidade de receber e escoar as águas da chuva.