Se alguém pedisse para você definir em uma ou mais palavras uma pessoa com Síndrome de Down, independentemente se conhece ou não alguém com essa condição, qual seria a sua resposta? Talvez, amor?
Enquanto essa pergunta que abre a reportagem te leva a pensar, vamos saber o que disse sobre isso a futura técnica em Enfermagem Ana Almeida Toledo, 41 anos, e que há mais de duas décadas aprende a lidar com quem nasceu com a síndrome e as lições de vida que estes seres especiais em todos os sentidos nos dão durante sua existência. Segundo a Medicina, a Síndrome de Down é uma alteração genética causada por uma mutação no cromossomo 21 durante a divisão embrionária. Os portadores da síndrome, em vez de dois cromossomos no par 21 (o menor cromossomo humano), possuem três. Por conta disso, a síndrome também é conhecida como trissomia do cromossomo 21.
Ana é mãe de Olívia, 21 anos, que é portadora de Down. Ela conta que só soube que a filha era especial após o parto realizado no Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição, em Piratini. Tal situação não acontece atualmente, uma vez que avanços na ciência possibilitam detectar a síndrome já na gestação através de exames como o ultrassom morfológico.
“Eu dei à luz, me levaram para o quarto, mas ela ficou. Mais tarde, a médica, que foi extremamente acolhedora e atenciosa comigo, foi até mim e disse: nossa princesa é Down”, recorda Ana, que, emocionada, interrompe o relato por alguns segundos para, então, continuar: “Ainda me emociono. A partir do momento em que soube que a Olívia tinha essa condição, chorei muito e por três dias. Mas no que diz respeito à aceitação dela, passei a amar minha filha desde o primeiro momento, mas tive medos que ali surgiram por não ter a mínima noção de como faria para cuidá-la, afinal, nada sabia sobre Down”.
Ana se desdobra entre as atividades domésticas prestadas a terceiros, as que fazem parte do curso que faz para buscar melhor condição financeira e, por fim, as que integram a rotina de mãe de uma pessoa com Down. Questionada sobre o que aprendeu até aqui, partindo do momento em que se viu diante deste desafio de conviver, cuidar e educar a filha, a voz novamente é embarga pela emoção, mas a resposta é dada: “É uma luta e um aprendizado diário. A Olívia me deu e ainda me dá algumas lições de vida. Sempre digo que ela veio para me ensinar a ser, de fato, gente. Claro que eu tenho falhas, mas algumas delas ela foi a responsável pela correção. Por exemplo: eu costumava dizer coisas às pessoas sem medir as palavras, não tinha como dizem, papas na língua”, admite a mãe, que emenda: “Por causa de tudo que passei e aprendi sendo mãe dela, hoje me coloco no lugar do meu semelhante e percebi que podemos, sim, falar o que pensamos, mas isso não pode, em momento algum, ser ofensivo e, desta forma, inclusive quero que todos ao meu redor, mesmo os desconhecidos, estejam bem. Resumindo: minha filha me tornou um ser humano melhor”.
A mãe conta que Olívia é muito vaidosa, sendo o espelho do seu quarto o local onde mostra que tem noção de que é portadora de uma deficiência e faz isso dando outra lição sobre sermos, nós humanos, muitas vezes “diferentes”, mas nunca inferiores uns aos outros. “Minha irmã e meu sobrinho usavam óculos. Em uma dessas oportunidades, a Olívia, de frente para o seu espelho, disse: meu primo e minha tia são cegos, eu sou Down, e minha mãe é negra. Cada um do seu jeito e tá tudo bem. Nesse dia, ela, da sua forma de ver o mundo e sem nenhum sentido pejorativo, nos mostrou que, sejamos nós brancos, negros, cegos, gordos ou magros, somos todos iguais”, opina.
Ana disse lamentar que os portadores de síndrome de Down e outras tantas deficiências não tenham da sociedade a mesma atenção e visibilidade dada a quem tem o Transtorno do Espectro Autista, o TEA.
“Os Down podem ser sim independentes, mas isso ainda é muito complicado, afinal, eles também têm uma deficiência intelectual, bem como os TEA. Mas nos últimos anos, praticamente todas as atenções e ações da sociedade estão voltadas somente para os portadores de autismo, deixando de fora os portadores de paralisia cerebral, cadeirantes e tantos outros com limitações distintas”, reclamou Ana para logo encerrar: “Não quero dizer com isso que, inclusive minha filha, merece tratamento diferenciado, mas que as pessoas usem a mesma balança no momento de buscar e dar tal visibilidade que, em minha opinião, está concentrada apenas em quem tem esse transtorno e não para estes outros que eu citei, como se todos não necessitem dispor de uma estrutura especial para alcançarem mais qualidade de vida”.