
“Quem será que morreu?”. Há quase quatro décadas, essa pergunta faz os moradores da cidade correrem para a janela e, assim, satisfazerem sua curiosidade.
Em 1992, a rádio chegou à Capital Farroupilha. Mesmo assim, a forma mais eficaz de informar a população, que já foi de 20 mil pessoas, mas que, de acordo com o censo demográfico de 2022, é de atuais 17.502 habitantes, ainda é a voz do Zezé.
José Carlos Leopoldo Oliveira, o Zezé, de 67 anos, aprendiz eficaz de Venâncio Alves de Oliveira, que não só escreveu seu nome na história do Berço Farrapo ao inaugurar e manter o Cine Piratini, o único cinema da cidade e que hoje está em ruínas, mas também por ter dado início a essa particularidade do município. Com um Corcel 1, fabricado no final da década de 60, onde instalou duas enormes e potentes cornetas e um amplificador, Venâncio foi, por muitos anos, o comunicador da cidade.
Muitas vezes, ao lado do “Seu Venâncio do Cinema”, que partiu em abril de 2000, aos 84 anos, Zezé lia ao microfone o texto fixado junto ao painel, informando, como diz o dito popular “quem tinha partido desta para uma melhor”. “Mesmo com a chegada da Nativa FM, em 1992, após completar a maioridade e tirar a CNH, assumi a missão de divulgar as notas de falecimento e os convites para missas de 7º dia, permanecendo no ofício até hoje”, conta o funcionário público municipal aposentado que há 26 anos percorre quase todas as ruas do município, fazendo o mesmo trajeto que atravessava ao lado do professor.
O tempo passou e os concorrentes surgiram, os ganhos reduziram drasticamente, mas a voz do Zezé se tornou a melhor estratégia de marketing para dar publicidade a eventos de outras naturezas. Ele explica: “Ao me ouvirem durante duas horas, os moradores já acham que alguém morreu. Assim, para bingos, domingueiras e outros acontecimentos, os clientes preferem a mim. Ou seja, acaba funcionando como estratégia para fazer a todos serem informados dos mais variados tipos de eventos, levando o povo para os cultos de diferentes congregações religiosas, mas também para os bailões (risos)”.
Já quanto ao faturamento: “Ganhei muito dinheiro. Por muitos anos a média mensal foi de R$ 4 mil e, em alguns meses, até o dobro. Mas aí surgiram outros carros de som e também a chamada ‘venda casada’, que é quando as funerárias da cidade já inserem no pacote dos atos fúnebres a divulgação do falecimento do familiar de quem busca este ramo de empresa. Isso levou a redução de quase 100% dos anúncios de enterro, que, até então, eu fazia, pois o meu serviço raramente é contratado”, lamenta Zezé, que segue: “Hoje, nem sei quanto ganho por 30 dias de trabalho, mas é imensamente menos. Ainda assim, é vantajoso continuar. Um exemplo disso é que de novembro de 2020 para cá, eu e meu Logan fizemos 304 anúncios”, afirma Oliveira, que tem tudo cadastrado no computador, investimento necessário com o passar do tempo, deixando o velho toca-fitas auto reverse, posteriormente também o CD (hoje ele usa pendrive) no passado, para acompanhar a evolução tecnológica.
Ainda exemplificando o quanto já foi vantajoso manter o serviço, ele acrescenta: “Aos finais de semana, eu começava às 8h e ia até a meia-noite. Não tinha tempo nem para almoçar, me alimentava de chocolate e refrigerante que levava até então no meu Corcel I, saindo dele somente para ir ao banheiro. Morria muita gente na cidade, já hoje os idosos vivem até 90 anos e partem muito mais tarde, podendo, que bom, dançarem forró a tarde inteira nos bailes da terceira idade após saberem que haverá um arrasta pé anunciado por mim”.
Zezé conclui lamentando uma ausência de um registro na memória, que infelizmente se apagou, se referindo ao mestre. “Quando o seu Venâncio morreu, com certeza foi eu quem fez o convite do seu sepultamento. Afinal, somente eu fazia anúncio em Piratini. Mas não me recordo de um só detalhe deste dia, o que lamento, pois há 24 anos, em 28 de abril, devo ter tido dois sentimentos: primeiro de lamentação, pois foi quem me ensinou tudo deste ofício e, por fim, de agradecimento à pessoa que acreditou em mim mesmo sendo eu apenas um piá. Gratidão define o que sinto por ele”.