
“O Matemático, que era meu amigo há seis anos, representou o crescimento da competição, que evoluiu junto com ele, já que começamos tendo a participação de 12 equipes e este ano são 35. Seus dribles mostravam que ele era bem mais que um mero jogador e que, com esta quadra, teve uma ligação única. Nela, era preciso e calculista, então, essa é minha definição para tanto talento. Enfim, foi mais que um mero jogador, esse “louco” jogou muito e não pode e nem será esquecido também por nós, piratinienses. Assim, este ano criamos o Troféu Lucas Porciúncula, que será entregue ao melhor jogador desta edição”.
Estas foram as palavras usadas por Eleno Belasquem, 35 anos, que está à frente do Departamento de Desporto, órgão da Prefeitura de Piratini, organizadora do Campeonato Municipal de Futsal, oficialmente aberto no dia 22 para definir Lucas Porciúncula, o craque da modalidade, que teve a vida interrompida quando tinha apenas 22 anos, em 2 de setembro do ano passado. O jovem foi assassinado a tiros em frente à sua casa e na presença do pai, César Porciúncula, no bairro Dario Lassance, em Candiota, deixando uma lacuna não só no certame que, neste ano, não contará com sua arte, mas nesta modalidade de esporte em toda região, pois o atleta colecionou títulos por onde passou e deixou sua marca e, claro, muita saudade. As palavras de Belasquem foram proferidas na presença do pai de Lucas, que não conteve as lágrimas.
Tal comoção antecedeu o pontapé inicial para os jogos da Séria A, a partir da iniciativa da gestão da Associação Esportiva BGV, campeã desta categoria em 2023, e também da organização do evento, que homenagearam, através de um telão, não só muitos depoimentos em vídeo dados por quem jogou e conviveu com Lucas, mas como alguns de seus gols, que garantiram à BGV três taças nos últimos anos. Tal momento comprovou o que Deiber Santos, outro craque, afirmou: Lucas Porciúncula conquistou, inclusive, as torcidas adversárias.
Ao rever as pérolas de sua autoria, o público que superlotou o Ginásio Benoir Garcia, se emocionou e, como resposta, não só aplaudiu intensamente, mas ovacionou o saudoso craque, unanimidade entre os que apreciam a arte com a bola.
Santos foi o responsável por levar Lucas para jogar em Piratini pela BGV em 2019. Ele afirmou ao JTR que o companheiro das quatro linhas foi bem mais que um craque das quadras. “Para que eu possa defini-lo, há a necessidade de primeiro raciocinar. Não faço isso por ser difícil, pelo contrário, mas é que esse garoto tinha também um coração maravilhoso e um caráter fora do comum. Não há sequer uma linha negativa para falar dele. Por exemplo: aqui no Sul, os jogos de futsal também são muito ‘pegados’, então, é normal a coisa esquentar e até perdermos a cabeça de vez em quando. O Lucas era da turma do ‘deixa disso’, o primeiro a acalmar a todos quando a coisa esquentava”, recorda Santos, que conclui: “Mas vou além: eu, que já havia sido campeão três vezes em Piratini, sendo a última ao lado dele, tive a felicidade de jogar com alguém acima da média, um canhotinho de passe e batida na bola fantásticos e que preenchia todos os espaços em quadra, que era diferenciado e tudo isso junto, fez a cidade abraçá-lo e agora homenageá-lo”.
Para Wellinton Moura Belasquem, o Belas, presidente da Associação BGV, não será fácil repor a peça que este ano falta na equipe. “Quem colocar no seu lugar no time com a mesma técnica e talento? O termo é impossível! O Lucas era único. Mas como foram muitas as vezes em que ele se hospedou em minha casa, pude constatar sua humildade. Era uma pessoa tão simples, que, de vez em quando, eu dizia: ‘Lucas, hoje a bóia (comida) não tá lá essas coisas’. E para ele era sem problemas, pois não se importava com detalhes como este. Por fim, não tê-lo mais dentro de quadra, mas, principalmente, junto de nós, depois de três títulos, será muito difícil. Espero que a justiça seja feita, pois isso poderá amenizar, quem sabe, a nossa dor”.
Ao ouvir tudo isso junto ao neto Matteo, de 7 meses, no colo, César se emocionou, pois à sua frente, no telão, alguns dos muitos gols marcados pelo seu filho caçula na única conquista que ele não pode se fazer presente, não comemorou nem registrou em imagens. Lucas morreu poucos dias depois de ser campeão em Piratini.
“É algo bom, já que é uma homenagem a este pedaço que fazia parte e tiraram de mim, de minha esposa, de nossa família. É claro que dói, e muito, pois a ferida se mantém sangrando. Eu já sabia que seria difícil tocar no assunto de novo, ouvir e ver tudo que ouvi e vi outra vez, mas precisava me fazer presente e trazer o filho dele, meu neto, para estar junto comigo neste momento”, disse Porciúncula.
O pai lamenta não ter se feito presente na última conquista do filho, mas acredita que ele esteja feliz com as homenagens que recebeu. “Eu não estive ao lado do Lucas nesta que nós não imaginávamos que fosse ser sua despedida das quadras. Então, o que pude fazer foi uma tatuagem para também em meu corpo eternizá-lo. Sei que lá de cima ele viu todo esse carinho para ele e acredito que disse ‘que bom, estou feliz, o meu pai veio e participou de tudo isso que fizeram para mim’”.