Em busca de valorização, artesão que criou pórtico para a Semana Farroupilha e troféus da Vertente da Canção anuncia que deixará Piratini

Sandy e Márcio Marques entendem que a mudança se faz necessária para, com isso, conquistarem a independência financeira. (Foto: Nael Rosa/JTR)

Os tantos problemas relacionados à economia, comuns às cidades de pequeno porte e que são uma barreira encontrada por quem decide empreender, fizeram o casal Márcio Marques, de 46 anos, e Sandy Leal, de 25, tomar uma decisão: deixar Piratini, mudar para uma metrópole e tentar encontrar as condições necessárias que permitam manter o sonho de crescer financeiramente com o ramo escolhido como profissão.

Marques é autor de várias obras que se destacam em diferentes pontos da cidade, entre estas o pórtico que desde 2022 mudou o cenário encontrado por quem acessa o Centro de Eventos Erni Pereira Alves para a Semana Farroupilha. No entanto, o artista revelou que, ainda em 2024, a Rústicos da Capital, responsável por ofertar serviços na área de marcenaria, será transferida para Pelotas.

Com isso, a cidade deixará deixará de contar com o resultado do trabalho do artesão, que também faz todo tipo de reparo em objetos de madeira, inclusive em carrocerias de caminhão, e ainda a fabricação de móveis rústicos.

A mudança de planos por parte da dupla de empresários é justificada, principalmente, pela ambição mínima necessária de quem busca prosperar. Mas não apenas isso: “Há dois anos, logo que transferimos a empresa para esse galpão localizado na avenida Seis de Julho, era comum aquecermos nossa comida trazida de casa aqui, onde almoçávamos em meio a muito pó de serragem. Algumas coisas mudaram e até melhoraram, mas ainda hoje, é normal irmos até 4 ou 5 horas da manhã trabalhando, e isso não é saudável para a saúde mental, física e, inclusive, financeira, já que se valesse a pena, não teríamos tomado a decisão de ir embora”, reclama o artesão.

Ele afirma buscar cada vez mais. “Infelizmente, Piratini não comporta e não dá retorno para o que buscamos. Então, vamos mudar para Pelotas e, se por acaso, lá também não der certo, iremos em frente até ser possível conquistar o nosso sonho, e este, desde que nos convertemos e passamos a ser evangélicos, sentimos estar menos distante”, disse.

Ele também aponta a falta de matéria-prima existente na cidade, afinal, hoje tudo vem de cidades vizinhas, sendo necessário, com isso, pagar frete para transportar o que compram para manter a atividade, o que reduz a margem de lucro da marcenaria e pesou para a redução da equipe de colaboradores, passando de cinco para dois. Por último, ele reclama da posição geográfica em que Piratini se encontra, o que a fez ser fora da rota comercial, já que é preciso dirigir por mais 35 quilômetros depois de acessar o trevo com a BR 293, para chegar ao município, o que reduz a margem de lucro obtida com o negócio.

Mas ele reconhece que, com a extrema dedicação dele e da companheira, eles cresceram e isso precisa ser comemorado, pois a empresa saiu do anonimato para se destacar na comunidade, o que não impede também outra queixa: “Somos gratos pelos muitos clientes que aqui conquistamos e que buscam por nossa arte, mas confesso: há sim algo que me deixa chateado. Com exceção dos turistas, a maioria das pessoas não aceita, acha caro pagar o preço que, asseguro, é justo pelo meu trabalho”, reclama.

A Rústicos da Capital é decorrente de um projeto esboçado em 2020, ano em que, diante da pandemia de Covid-19 ocasionada pelo coronavírus, milhões de empreendedores no mundo inteiro foram obrigados a fechar as portas de suas empresas e, de uma hora para outra, não mais terem suas fontes de renda.

Foi quando, indo na contramão de tudo que acontecia naquele momento, Márcio e Sandy, mesmo com imensas dificuldades financeiras, deram início ao sonho de viver de tudo o que é possível fazer no ramo de marcenaria e, por consequência, também do artesanato.

Até o ano passado, ele também teve sua arte exposta na Vertente da Canção Nativa, outro grande evento da 1ª Capital Farroupilha, ao ser o criador do troféu distribuído em 2023 aos vencedores do festival de música nativista. Isso, até pouco tempo, era algo inimaginável para o artesão, uma vez que as dificuldades vivenciadas a época, e que ainda existem, já foram maiores. Disso, ele e a mulher não esquecem, afinal, tudo teve início na garagem da casa onde moravam no bairro Vila Nova, o que rendia muito pouco e o levou a cogitar  repetidas vezes em desistir e buscar outra forma de sustento. Isso só não aconteceu devido à persistência e apoio de Sandy com quem é casado há nove anos.

Faz pouco mais de três anos que eu tornei a insistir em atuar como marceneiro, o que já havia feito em 2011, mas por algumas razões precisei interromper o projeto. No retorno, em 2020, tinha apenas a intenção de fazer consertos nos móveis da vizinhança, já que possuía só duas máquinas. Assim, o que entrava de dinheiro não era suficiente para nos manter, inclusive, a energia elétrica foi cortada algumas vezes por falta de pagamento. Para que eu não desistisse, foi essencial o apoio da Sandy, que conseguiu um emprego em um mercado e, então, me disse: “Márcio: todo o dinheiro do meu salário será usado para pagar as contas da casa e para comprar comida. Tudo que tu ganhar com a marcenaria, investe em ferramentas para continuar trabalhando”, recorda, para após, reconhecer: “Minha esposa, que também é meu braço direito e o cérebro da Rústicos, foi um divisor de águas em todas as minhas futuras decisões”.

A esposa lembra que foram momentos difíceis, mas que também já havia passado por alguns desde a infância. “Minha minha mãe me criou sozinha e, mesmo que nunca tenhamos passado fome, enfrentamos algumas dificuldades na vida. Por isso, eu, que acho o Márcio muito talentoso, não tive dúvidas e, mesmo diante das batalhas que enfrentamos, mantive a fé em Deus, o estimulando para sempre continuar. Ainda estamos longe de atingirmos todos os nossos objetivos, mas entendo que a fase mais complicada ficou pra trás”, disse Sandy.

Marques descobriu o talento para o ofício em 1998 ao talhar na madeira número usados na identificação dos endereços de residências, o que fez para conseguir o dinheiro e pagar o aluguel. Ele afirma que criar peças artesanais é sim um dom, mas a tecnologia colabora e muito em tudo que faz.

“O que sei fazer aprendi sozinho, mas confesso: o suporte fornecido pela internet, onde você pode assistir tutoriais que te permitem criar ou, por outra, melhorar o que você vê nos vídeos à disposição, tem me ajudado muito na confecção de tudo que faço e nos fornece o sustento necessário”, conclui.

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