Setembro Verde reforça importância da conscientização sobre a doação de órgãos

Dânia Xavier, de 45 anos, havia passado por transplante de rim por duas vezes e busca conscientizar sobre a importância de manifestar a intenção em se tornar doador ainda em vida. (Foto: Stéfane Costa/JTR)

O dia 27 de setembro é marcado por ser o Dia Nacional da Doação de Órgãos, data que motivou a criação do setembro verde na qual, ao longo dos 30 dias, são promovidas diversas atividades com instituições de saúde e público em geral. A ação visa desmistificar tabus criados em torno do processo, conscientizar sobre a importância de manifestar para a família o interesse de ser doador e mostrar a história de quem recebeu uma nova chance de viver, além daqueles que ainda aguardam na fila de transplante.

Viviani Aspirot é enfermeira e trabalha em uma das sete Organizações de Procura de Órgãos (OPO) do estado. Sediada em Rio Grande, no Hospital Santa Casa de Caridade, a organização responde à Central de Transplantes da Secretaria Estadual da Saúde (SES) e também atende os municípios de Pelotas, Canguçu e Bagé.

A 5ª OPO atua com a busca nos hospitais e Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) por pacientes que sejam potenciais doadores. “A gente faz todo esse processo da busca do potencial doador, de buscas dos hospitais, nas UTIs, para ver se tem algum paciente doador de órgãos para abrir um protocolo de morte encefálica, faz as entrevistas sociais e todo o processo até chegar à entrevista familiar, se a família vai aceitar ou não”, explica Viviani.

A profissional reforça que, devido à delicadeza da situação, os profissionais responsáveis por esse contato passam por capacitações para estarem aptos a lidarem com entrevistas sociais e comunicar más notícias. Independente da situação, no entanto, a abordagem é sempre difícil. “A gente chega no momento mais difícil da vida das pessoas, e para a gente também é difícil, tentar saber um jeito de conseguir falar sobre doação de órgãos”, diz.

O trabalho feito por esses profissionais é vital para quem está na fila de doadores esperando por um órgão. Mas a conscientização deve ir muito além da instituição de saúde.
Pela lei vigente no país, a palavra final para autorizar a doação de órgãos é da família do paciente, mas nem sempre essa palavra é um sim. Conforme dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES), entre as principais causas da negativa para a doação estão a falta de conhecimento sobre o desejo da pessoa. Apenas neste ano, dos 311 casos de não efetivação das doações no estado, 138 foram por negativa familiar, 59 destes alegando que o paciente não havia mencionado em vida ser doador. Na região da OPO 5, das 39 notificações de potenciais doadores, 17 acabaram recebendo negativa familiar.

Do total, apenas oito doações foram de fato concluídas, tendo gerado sete pares de córneas, dois fígados e 16 rins que promovem qualidade de vida a quem esperava. Em todo o estado, até 28 de agosto, a lista de espera possuía 16 pessoas aguardando por um coração, 1.202 por córneas e 1.307 por rins. É neste sentido que as campanhas intensificadas no setembro verde buscam estimular a conversa sobre a doação de órgãos.

Há poucos dias do início de setembro, na segunda-feira (28), o governo gaúcho realizou o lançamento da campanha “O Amor Vive”, para conscientizar sobre a importância da doação de órgãos e tecidos. Com direito a um grande evento em Porto Alegre, o Estado contou com o apoio do ator e artista circense Marcos Frota, do Mirage Circus, que sediou o lançamento da campanha em meio a uma apresentação aberta ao público.

Na ocasião, o vice-governador Gabriel Souza (MDB) citou a importância de reforçar as ações em torno da causa. “Esta é uma pauta de todos nós e, com esta campanha, esperamos que mais gaúchos informem a sua vontade aos seus familiares, garantindo mais uma chance a quem está na fila de espera por um transplante”, disse.

E a luta é para que a visibilidade dure durante todo o ano, não somente durante o mês de setembro ou quando há casos de personalidades famosas. Este foi o caso do apresentador Fausto Siva que, no domingo (27), recebeu um novo coração após passar sete dias na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), o que promoveu debates em todo o país.

A espera pela vida

O pedagogo James Cassiano da Silva é uma dos transplantados que hoje se dedicam a falar sobre a importância do tema. Membro da Associação Nacional de Pré e Pós Transplantados (ANPPT) e coordenador do Núcleo de Educação e Sensibilização de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (NESDOTT), ele vivenciou a espera por um coração. Em 2019, foi diagnosticado com miocardiopatia dilatada, notícia que o pegou de surpresa por não conhecer históricos familiares que pudessem tê-lo deixado em alerta.

“Quando eu descobri essa doença eu já estava com o coração muito debilitado, com 20% de fração de injeção, que é 20% do coração funcionante, somente. Precisei ficar hospitalizado por 16 dias, na primeira internação. […] Eu tive uma vida saudável, tranquila, nunca tive problema de doença na família, bem pelo contrário, a minha família tem um histórico de vida longínqua, quase todos morreram de velhice e eu não tinha nenhuma comorbidade física, nem de saúde, sempre fui saudável”, relata.

Com o avanço do quadro, ele chegou a ter apenas 15% do coração funcionando, ficando hospitalizado pelos seis meses seguintes. De agosto a dezembro, aguardou pelo transplante. “Foi um período difícil, um período de bastante dúvidas, incertezas, certezas, medos…até que no dia 1º de janeiro de 2020, após as festas de Natal e Ano Novo, eu recebo a ligação do médico de que tinha chegado o meu coração”, relembra. Após receber sua nova chance, Silva passou a atuar efetivamente com a causa e sensibilização.

No entanto, a chegada do transplante nem sempre é a garantia de que tudo dará certo. Dânia Xavier, de 45 anos, e Luana Brito, de 40 anos, passaram por uma série de hemodiálises e tratamentos em Pelotas, até que receberam o aguardado transplante de rim. Mas por complicações específicas das pacientes, as cirurgias acabaram não dando certo.

Após um segundo transplante, em 2019, Dânia pôde readquirir a qualidade de vida, mas Luana ainda segue na espera pela chance. A paciente, que fez seu transplante em outubro de 2018 voltou para a lista em 2021, três anos após a primeira cirurgia. Com problemas relacionados à infecção urinária, Luana teve a perda dos rins nativos, e outras complicações danificaram o transplante. Hoje ela aguarda um leito no hospital da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, para realizar um procedimento que lhe tornará novamente apta a receber um transplante de forma prioritária. “O primeiro transplante foi literalmente um presente, recebi no dia do meu aniversário, e mesmo que esse próximo não venha no meu aniversário ainda sim vai ser um dos melhores presentes da minha vida!”, diz.

Luana Brito, de 40 anos, aguarda leito no hospital da PUC RS para realizar um procedimento que permitirá receber um novo transplante. (Foto: Arquivo Pessoal)

Como quem segue na espera pela doação, Luana pede para que a população conheça mais sobre o processo. “A maior lição é: se informe, procure entender como funciona a lista, sobre as pessoas que esperam por um, dois ou mais transplantes de diversos órgãos, o tempo que se espera, e o quão importante é sua família ter certeza que você quer ser um doador, que você quer manter essa corrente viva”, garante.

Dânia, que hoje vive com um rim transplantado, enfrentou inúmeros desafios durante o processo, como a chegada ao hospital para enfim fazer a operação que acabou não acontecendo por uma negativa familiar de última hora. Porém foi nesta mesma ida que seu órgão finalmente chegou, marcando um verdadeiro renascimento.

“Eu sou muito grata e tento honrar todos os dias o meu doador, então conversem com as famílias, deem a oportunidade para pessoas que ainda têm familiares aqui, que têm projetos de vidas, que tem sonhos a realizar. [..] Um doador salva até oito pessoas, então são oito pessoas vivendo através dessa vida e essa vida vivendo nessas pessoas, olha o quanto ela se multiplicou. Ela vai seguir por aí produzindo bem, porque quem é transplantado e tem uma segunda chance só quer fazer o bem, ver a vida de outra forma”, conclui. Hoje, ela faz parte do Grupo Pró-Doação de Órgãos, que promove atividades na região conscientizando sobre a importância da doação.

Receptores aguardando transplante no RS até 28 de agosto

Coração 16
Córnea 1202
Fígado 169
Pulmão 62
Rim 1307
Pâncreas 0

 

Fonte: Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul

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