O Setembro Amarelo é um mês dedicado para reforçar a campanha de prevenção ao suicídio e o diálogo sobre saúde mental. Nos últimos anos, muito se ouve falar sobre a síndrome de Burnout, mas parte da população ainda não sabe do que realmente se trata e que, em casos mais graves, pode levar o paciente a tirar a própria vida. De acordo com o médico psiquiatra José Henrique Sedrez, os sintomas podem ser confundidos com os que aparecem em doenças como depressão, transtornos de ansiedade, neurastenia, também conhecida como síndrome de fadiga, insônia e transtorno do estresse pós-traumático. Mas na verdade, o Burnout é uma síndrome resultante de uma exposição ao estresse crônico no ambiente de trabalho e que não foi adequadamente manejado.
“O termo síndrome significa um conjunto de sinais e sintomas que estão associados a mais de uma causa, ou seja, diferentemente de uma doença, a sintomatologia da síndrome é mais inespecífica. Já o termo Burnout é uma palavra em inglês utilizada no sentido informal para definir sensação de esgotamento, de exaustão”, pontua o psiquiatra. Sedrez ainda explica que os principais afetados são profissionais das áreas de serviço que têm um contato direto com pessoas em geral. A síndrome foi incluída na 11ª edição da Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) como um fenômeno exclusivamente ocupacional e que não está relacionado a outras áreas da vida, ou seja, não é uma doença.
“O termo Burnout é uma palavra em inglês utilizada no sentido informal para definir sensação de esgotamento, de exaustão”
A síndrome é constituída por três dimensões principais, sendo a primeira a exaustão emocional, caracterizada por cansaço extremo, sensação de desgaste e perda de energia que não melhora após uma noite de sono. Já a segunda é a despersonalização, que compreende uma atitude de distanciamento, insensibilidade, frieza e até hostilidade com os colegas de trabalho ou clientes. E a última consiste na perda de realização social, na falta de perspectivas com relação a carreira, no sentimento de incompetência e na frustração pessoal, que pode acarretar em baixa autoestima.
Conforme Sedrez, por ser uma síndrome, o Burnout tem os sinais e sintomas muito inespecíficos. Ainda assim, é possível identificar nos pacientes a insônia, tensão, frustração, fadiga, dificuldades para tomar decisões, má eficiência no trabalho, redução na qualidade do serviço prestado, redução da imunidade, da libido, falta de apetite, esquecimentos, dificuldade de concentração, insatisfação, redução da motivação para o trabalho. Além disso, mudanças físicas também podem ocorrer, como alteração da pressão arterial, colesterol aumentado, diabetes, aumento na predisposição a infartos, acidentes de trabalho. O Burnout também aumenta a propensão do consumo de álcool e outras drogas, principalmente com o objetivo de alívio dos sintomas, além de aumentar o risco de tentativas ou de suicídio consumado.
Quanto ao diagnóstico, Sedrez afirma que diferentemente de outras doenças clínicas, o laudo do Burnout ainda está mal definido e, por vezes, pode ser difícil de ser feito. “Existem, hoje, diversos protocolos de tratamento de Burnout descritos na literatura científica, mas todos visam restaurar o equilíbrio saudável entre esforço e o descanso, a recuperação do estresse e melhorar as habilidades de enfrentamento do indivíduo às situações do trabalho”, ressalta o psiquiatra sobre o tratamento que tem como base o acompanhamento psicológico, medidas comportamentais que auxiliem a modificar a conduta e o seu enfrentamento aos estresses do dia a dia e o uso de medicamentos quando necessário pertinente.
Segundo a OMS, entre a população trabalhadora ativa, cerca de 30% são portadores de transtornos mentais leves e de 5% a 10% possuem transtornos graves. “A síndrome de Burnout está sendo alvo de muitas pesquisas hoje em dia, principalmente agora com o aumento das demandas por trabalho, da competitividade, das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), com a alta carga e demanda por trabalho, por performance, pela dificuldade das pessoas de desconectar do trabalho. Hoje em dia, com o WhatsApp, é muito comum a pessoa ser acionada ao trabalho fora do expediente”, afirma Sedrez.
O psiquiatra aponta que essa dificuldade da pessoa se desligar do ambiente de trabalho nos momentos de folga e lazer implica no aumento da demanda de atendimentos relacionados à saúde mental. Afirma ainda que a indicação do afastamento do trabalho deve ser feita junto do paciente considerando os riscos de continuar na atividade e os possíveis benefícios a saúde até a remissão dos sintomas.
“O trabalhador pode se afastar do trabalho e receber auxílio do INSS, tal como acontece com outras doenças. Nos primeiros 15 dias, o afastamento é remunerado com atestado e depois o trabalhador recebe auxílio-doença”, explica o advogado trabalhista Rafael Gomes sobre os direitos de quem for diagnosticado com Burnout. Durante esse período, é direito do trabalhador receber o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Gomes também esclarece que a síndrome concede estabilidade empregatícia de 12 meses após a volta do tratamento de saúde, ou seja, o funcionário não pode ser demitido. “O trabalhador tem o direito de rescindir o contrato de trabalho indiretamente. Neste caso, o empregador deverá pagar todos os direitos como aviso prévio, 13° salário, férias atrasadas e multa de 40% sobre o FGTS”. O advogado garante que é possível cobrar uma indenização por danos morais e materiais. O trabalhador pode também abrir um processo contra a empresa durante o contrato ou até dois anos após o desligamento.
O trabalho dos sonhos pode se transformar em Burnout
Aliana Anghinoni Cardoso, que atualmente mora em Pelotas, tinha apenas 36 anos quando os sintomas do Burnout se intensificaram. Na época, ela tinha o emprego dos sonhos: era coordenadora pedagógica de uma instituição educacional de grande porte. Entretanto, o cargo exigia responsabilidade e tinha uma alta demanda de tarefas. “A coordenação pedagógica é o coração da escola e atendíamos, entre duas profissionais, as demandas de estudantes, responsáveis, professores e mais as necessidades administrativas vindas da direção”, relata.
Em paralelo ao trabalho, Aliana tinha os cuidados com o filho, que na época que era uma criança por volta dos quatro anos de idade e ela era mãe solo. O acúmulo de trabalho e de responsabilidades para uma boa educação ao filho logo começaram a sobrecarregá-la.
“Hoje percebo que eu já vinha há algum tempo manifestando sintomas: estresse constantes com as situações de trabalho, cansaço, dias de total desesperança e desânimo alternados com dias ótimos em que eu via tudo como possível”.
Aliana afirma que esses sintomas foram surgindo ao longo do tempo. Ela também conta que com o nascimento do filho, relativizou o lugar de trabalho, mas que sua função na instituição envolvia diversas questões difíceis e delicadas pelas quais os alunos passavam. Com isso, passou a se sentir esgotada e cada vez mais sem esperanças.
Em 2019, após uma situação complexa, Aliana conta que precisou se afastar do trabalho por determinação médica. “Quando quis insistir em voltar, tive sintomas físicos muito fortes: crises de choro descontrolado, dor no peito, falta de ar e, por fim, me vi completamente travada dentro do carro, na frente da instituição, quando tentei entrar”, conta. Aliana complementa que o quadro se repetia a cada aproximação com o local ou quando o trabalho era mencionado em conversas.
“É importante dizer que os sintomas de Burnout não chegam de uma hora para outra. Eles vão se mostrando e a gente vai confundindo tudo, achando que é cansaço ou até o tal do estresse, que vejo, hoje, bastante banalizado”, alerta.
A coordenadora pedagógica, assustada com o que estava acontecendo, procurou imediatamente a sua terapeuta e então começou um tratamento. Por orientação da psicóloga, Aliana começou a procurar opções para mudar de emprego e poder se curar. “Além dos medicamentos, eu fazia terapia de duas a três vezes na semana e consultas psiquiátricas uma vez por semana. O afastamento do lugar de trabalho se manteve durante todo o tratamento e, em paralelo, comecei a tratar minha movimentação para outra instituição”, relata.
O diagnóstico, além de dar a possibilidade de melhora, também muda a vida dos pacientes. “Eu já era uma pessoa que me cuidava, mas percebi que era urgente intensificar esses cuidados e reposicionar as coisas, dando limites claros pro lugar que as ‘urgências’ e as situações profissionais ocupariam a partir de então. O trabalho não poderia nunca mais me incapacitar, eu estava decidida”, descreve Aliana.
O medo de voltar a trabalhar ou de nunca mais conseguir isso foi algo que perturbou a coordenadora pedagógica. Mas um ano após o acontecido, ela pode voltar a encontrar a felicidade no trabalho. Uma batalha que não foi fácil, pois enfrentou um tratamento de saúde, mudou de emprego, de casa e de cidade. Aliana se libertou daquilo que a adoeceu.
“Não seja o trabalho. Não viva somente o trabalho, mesmo quando é isso que parece que a vida quer de ti. Varie as pessoas da tua vida, garantindo que o lazer, as relações pessoais e o trabalho não sejam uma coisa só. Se priorize, se ouça e não se violente, nunca. Porque a resposta que o corpo dará a isso é o caos”, finaliza Aliana como um conselho para os leitores do JTR e reforça a importância de procurar um profissional de confiança.
“Se priorize, se ouça e não se violente, nunca. Porque a resposta que o corpo dará a isso é o caos”