Setembro Amarelo: Burnout – a síndrome de quem ultrapassa os próprios limites no trabalho

Ao menor sinal da Síndrome de Burnout, procure o auxílio de um médico. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Setembro Amarelo é um mês dedi­cado para reforçar a campanha de pre­venção ao suicídio e o diálogo sobre saú­de mental. Nos últimos anos, muito se ouve falar sobre a síndrome de Burnout, mas parte da população ainda não sabe do que realmente se trata e que, em ca­sos mais graves, pode levar o paciente a tirar a própria vida. De acordo com o médico psiquiatra José Henrique Sedrez, os sintomas podem ser confundidos com os que aparecem em doenças como de­pressão, transtornos de ansiedade, neu­rastenia, também conhecida como sín­drome de fadiga, insônia e transtorno do estresse pós-traumático. Mas na verdade, o Burnout é uma síndrome resultante de uma exposição ao estresse crônico no ambiente de trabalho e que não foi ade­quadamente manejado.

“O termo síndrome significa um con­junto de sinais e sintomas que estão as­sociados a mais de uma causa, ou seja, diferentemente de uma doença, a sinto­matologia da síndrome é mais inespecí­fica. Já o termo Burnout é uma palavra em inglês utilizada no sentido informal para definir sensação de esgotamento, de exaustão”, pontua o psiquiatra. Sedrez ainda explica que os principais afetados são profissionais das áreas de serviço que têm um contato direto com pesso­as em geral. A síndrome foi incluída na 11ª edição da Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) como um fenômeno exclu­sivamente ocupacional e que não está relacionado a outras áreas da vida, ou seja, não é uma doença.

“O termo Burnout é uma palavra em inglês utilizada no sentido informal para definir sensação de esgotamento, de exaustão”

A síndrome é constituída por três di­mensões principais, sendo a primeira a exaustão emocional, caracterizada por cansaço extremo, sensação de desgas­te e perda de energia que não melhora após uma noite de sono. Já a segunda é a despersonalização, que compreende uma atitude de distanciamento, insensi­bilidade, frieza e até hostilidade com os colegas de trabalho ou clientes. E a últi­ma consiste na perda de realização so­cial, na falta de perspectivas com relação a carreira, no sentimento de incompe­tência e na frustração pessoal, que pode acarretar em baixa autoestima.

Conforme Sedrez, por ser uma síndro­me, o Burnout tem os sinais e sintomas muito inespecíficos. Ainda assim, é pos­sível identificar nos pacientes a insônia, tensão, frustração, fadiga, dificuldades para tomar decisões, má eficiência no trabalho, redução na qualidade do ser­viço prestado, redução da imunidade, da libido, falta de apetite, esquecimentos, di­ficuldade de concentração, insatisfação, redução da motivação para o trabalho. Além disso, mudanças físicas também podem ocorrer, como alteração da pres­são arterial, colesterol aumentado, diabe­tes, aumento na predisposição a infartos, acidentes de trabalho. O Burnout tam­bém aumenta a propensão do consumo de álcool e outras drogas, principalmen­te com o objetivo de alívio dos sintomas, além de aumentar o risco de tentativas ou de suicídio consumado.

Quanto ao diagnóstico, Sedrez afirma que diferentemente de outras doenças clínicas, o laudo do Burnout ainda está mal definido e, por vezes, pode ser difícil de ser feito. “Existem, hoje, diversos pro­tocolos de tratamento de Burnout descri­tos na literatura científica, mas todos vi­sam restaurar o equilíbrio saudável entre esforço e o descanso, a recuperação do estresse e melhorar as habilidades de en­frentamento do indivíduo às situações do trabalho”, ressalta o psiquiatra sobre o tratamento que tem como base o acom­panhamento psicológico, medidas com­portamentais que auxiliem a modificar a conduta e o seu enfrentamento aos es­tresses do dia a dia e o uso de medica­mentos quando necessário pertinente.

Segundo a OMS, entre a população trabalhadora ativa, cerca de 30% são por­tadores de transtornos mentais leves e de 5% a 10% possuem transtornos gra­ves. “A síndrome de Burnout está sen­do alvo de muitas pesquisas hoje em dia, principalmente agora com o aumento das demandas por trabalho, da compe­titividade, das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), com a alta carga e demanda por trabalho, por performance, pela dificuldade das pessoas de desco­nectar do trabalho. Hoje em dia, com o WhatsApp, é muito comum a pessoa ser acionada ao trabalho fora do expediente”, afirma Sedrez.

O psiquiatra aponta que essa dificul­dade da pessoa se desligar do ambien­te de trabalho nos momentos de folga e lazer implica no aumento da demanda de atendimentos relacionados à saúde mental. Afirma ainda que a indicação do afastamento do trabalho deve ser feita junto do paciente considerando os riscos de continuar na atividade e os possíveis benefícios a saúde até a remissão dos sintomas.

“O trabalhador pode se afastar do tra­balho e receber auxílio do INSS, tal como acontece com outras doenças. Nos pri­meiros 15 dias, o afastamento é remu­nerado com atestado e depois o traba­lhador recebe auxílio-doença”, explica o advogado trabalhista Rafael Gomes sobre os direitos de quem for diagnosti­cado com Burnout. Durante esse período, é direito do trabalhador receber o paga­mento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Gomes também esclarece que a sín­drome concede estabilidade emprega­tícia de 12 meses após a volta do trata­mento de saúde, ou seja, o funcionário não pode ser demitido. “O trabalhador tem o direito de rescindir o contrato de trabalho indiretamente. Neste caso, o empregador deverá pagar todos os direi­tos como aviso prévio, 13° salário, férias atrasadas e multa de 40% sobre o FGTS”. O advogado garante que é possível co­brar uma indenização por danos morais e materiais. O trabalhador pode também abrir um processo contra a empresa du­rante o contrato ou até dois anos após o desligamento.

Durante o mês de prevenção ao suicídio, o JTR produziu uma reportagem sobre a síndrome de Burnout, que resulta de uma exposição ao estresse crônico no ambiente de trabalho. Em casos mais graves, pode levar o paciente a tirar a própria vida, levantando o debate sobre o cuidado com a saúde mental. (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

O trabalho dos sonhos pode se transformar em Burnout

Aliana Anghinoni Cardoso, que atu­almente mora em Pelotas, tinha apenas 36 anos quando os sintomas do Burnout se intensificaram. Na época, ela tinha o emprego dos sonhos: era coordenadora pedagógica de uma instituição educacio­nal de grande porte. Entretanto, o car­go exigia responsabilidade e tinha uma alta demanda de tarefas. “A coordena­ção pedagógica é o coração da escola e atendíamos, entre duas profissionais, as demandas de estudantes, responsáveis, professores e mais as necessidades ad­ministrativas vindas da direção”, relata.

Em paralelo ao trabalho, Aliana tinha os cuidados com o filho, que na época que era uma criança por volta dos qua­tro anos de idade e ela era mãe solo. O acúmulo de trabalho e de responsabili­dades para uma boa educação ao filho logo começaram a sobrecarregá-la.

“Hoje percebo que eu já vinha há al­gum tempo manifestando sintomas: es­tresse constantes com as situações de trabalho, cansaço, dias de total deses­perança e desânimo alternados com dias ótimos em que eu via tudo como possível”.

Aliana afirma que esses sintomas fo­ram surgindo ao longo do tempo. Ela também conta que com o nascimento do filho, relativizou o lugar de trabalho, mas que sua função na instituição envolvia di­versas questões difíceis e delicadas pelas quais os alunos passavam. Com isso, pas­sou a se sentir esgotada e cada vez mais sem esperanças.

Em 2019, após uma situação comple­xa, Aliana conta que precisou se afastar do trabalho por determinação médica. “Quando quis insistir em voltar, tive sinto­mas físicos muito fortes: crises de choro descontrolado, dor no peito, falta de ar e, por fim, me vi completamente travada dentro do carro, na frente da instituição, quando tentei entrar”, conta. Aliana com­plementa que o quadro se repetia a cada aproximação com o local ou quando o trabalho era mencionado em conversas.

“É importante dizer que os sintomas de Burnout não chegam de uma hora para outra. Eles vão se mostrando e a gente vai confundindo tudo, achando que é cansaço ou até o tal do estres­se, que vejo, hoje, bastante banaliza­do”, alerta.

A coordenadora pedagógica, assusta­da com o que estava acontecendo, pro­curou imediatamente a sua terapeuta e então começou um tratamento. Por orientação da psicóloga, Aliana começou a procurar opções para mudar de empre­go e poder se curar. “Além dos medica­mentos, eu fazia terapia de duas a três vezes na semana e consultas psiquiátri­cas uma vez por semana. O afastamento do lugar de trabalho se manteve durante todo o tratamento e, em paralelo, come­cei a tratar minha movimentação para outra instituição”, relata.

O diagnóstico, além de dar a possibi­lidade de melhora, também muda a vida dos pacientes. “Eu já era uma pessoa que me cuidava, mas percebi que era urgente intensificar esses cuidados e reposicio­nar as coisas, dando limites claros pro lugar que as ‘urgências’ e as situações profissionais ocupariam a partir de en­tão. O trabalho não poderia nunca mais me incapacitar, eu estava decidida”, des­creve Aliana.

O medo de voltar a trabalhar ou de nunca mais conseguir isso foi algo que perturbou a coordenadora pedagógi­ca. Mas um ano após o acontecido, ela pode voltar a encontrar a felicidade no trabalho. Uma batalha que não foi fácil, pois enfrentou um tratamento de saúde, mudou de emprego, de casa e de cidade. Aliana se libertou daquilo que a adoeceu.

“Não seja o trabalho. Não viva somen­te o trabalho, mesmo quando é isso que parece que a vida quer de ti. Varie as pes­soas da tua vida, garantindo que o lazer, as relações pessoais e o trabalho não se­jam uma coisa só. Se priorize, se ouça e não se violente, nunca. Porque a respos­ta que o corpo dará a isso é o caos”, fi­naliza Aliana como um conselho para os leitores do JTR e reforça a importância de procurar um profissional de confiança.

“Se priorize, se ouça e não se violente, nunca. Porque a resposta que o corpo dará a isso é o caos”

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