Produtor deve colher 15 mil quilos de citros no interior de Pelotas

Trabalho é realizado em conjunto entre a esposa Marciane, o produtor Márcio, o pai, Vino Darci, e a Emater/RS-Ascar, representada pelo técnico André Perleberg. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

Se em 2022 o produtor Moisés Greinke, de 32 anos, não colheu mais que quatro mil quilos de laranja e bergamota nos pomares da sua propriedade de 30 hectares na Colônia São Pedro, 3º distrito de Pelotas, em 2023 sua produção deve quadruplicar – ou muito perto disso.

É o que ele espera para a safra deste ano. A observar as árvores do pomar de 1,3 hectare, a projeção do agricultor deve dar frutos. As 220 árvores de laranja valência (para suco, reconhecida pela forte coloração amarela) e as 70 de bergamota, caí (comum) e principalmente ponkan, estão mais carregadas do que em safras anteriores. A expectativa é de colher 150 quilos por árvore, num total, entre as duas frutas, de 15 mil quilos.

O aumento da produção se deve também à resposta do pomar de laranja, cuja colheita começa em agosto e se estende, se o fenômeno El Niño permitir, até o Natal. De acordo com o produtor, a fruta viveu três anos “muito ruins”. “Não tinha laranja nas árvores, não carregava, não sei se o manejo estava errado, conversei com os guris da Emater, mudei alguns manejos e este ano pegou a produzir, diferentemente da bergamota, que produz todos os anos”, comemora.

A produtividade do citro em 2023 renova o ânimo de Greinke em dar continuidade à produção. Ele admite que diante das perdas sucessivas chegou a pensar em remover o pomar, cultivado há 35 anos pela família. O próprio pai, o também agricultor Vino Darci Greinke, de 74 anos, o incentivava a dar início a outra cultura na área do laranjal. “Sim, pensei no assunto”, diz Greinke, “mas resolvi insistir nem que fosse pela última vez”, complementa.

Deu certo. E uma das razões para manter o pomar atende a interesses de mercado. Toda a produção dos Greinke é escoada via Cooperativa dos Produtos Agrícolas do Monte Bonito (Coopamb), o que ajuda a agregar valor. A entidade repassa o produto in natura à prefeitura de Pelotas para fins de merenda escolar e a organizações cadastradas na Secretaria de Assistência Social. A compra ocorre via Programas de Aquisição de Alimentos (PAA). O governo federal também contribui via PAA e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que aporta recursos diretamente nas cooperativas para adquirir os produtos da agricultura familiar. Uma pequena parte da produção é comercializada no varejo da zona urbana de Pelotas.

Colheita

No caso da bergamota, os Greinke estarão envolvidos na colheita até setembro. A da ponkan iniciou dia 15 de junho. Não fosse a seca, teria começado antes. Coube ao seu pai fazer o raleio, técnica na qual se descarta a fruta menos desenvolvida para as demais do galho atingirem um tamanho maior – mais próximo do exigido pelo mercado de consumo. Não é simplesmente sair colhendo. “Fruta se compra e se come com os olhos”, ensina o técnico da Emater/RS-Ascar André Perleberg.

Nesta safra a expectativa é colher 150 quilos de bergamota em cada uma das 70 árvores, nas variedades caí e ponkan, que estão com boa coloração, quantidade de açúcar e sacarore. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

Se a estiagem atrasou a colheita ao menos não comprometeu a produção. Os Greinke tiveram sorte: segundo o produtor, durante a florada, em janeiro, “choveu bem” na propriedade. “Eles foram abençoados, muitos outros produtores, lamentavelmente, não tiveram a mesma sorte”, diz Perleberg.

No entanto, embora as chuvas isoladas do último verão tenham servido para amenizar o quadro de estiagem nas chácaras (como Greinke se refere aos pomares) da família, ele não estava otimista até maio. A, literalmente, salvação da lavoura foram os 230 milímetros de precipitação registrados na primeira semana do mês. “Dali pra frente deu uma animada, até então estava feio”, relembra. A quantidade de água fez a umidade infiltrar no solo. Agricultura familiar unida: com a esposa Marciane o pomar foi adubado exatamente naquela semana (“com água caindo”) e as árvores responderam.

Mas se a chuva de maio foi fundamental para evitar perdas nas chácaras da propriedade, a perspectiva de El Niño, previsto para a partir de julho com chuvas acima da média na região, traz preocupação. “É ruim, fruta não precisa de muita chuva, já perdi bastante com muitos dias nublados, feios, sem sol”, explica.

Ele acredita que a produção de bergamota escapa dos estragos provocados pelo aguardado excesso de chuva, mas projeta perdas no pomar de laranja. Perleberg concorda. Para o técnico da Emater, esta perspectiva é provável. “Tempo fechado e sem luminosidade, sem fotoperíodo e bastante umidade é totalmente favorável à entrada de fungos para culturas e variedades que estão em plena floração, sem falar que a abelha precisa de tempo firme para polinizar, em dias de chuva ela não faz esse trabalho, não tem o que fazer, é um cenário ruim”, projeta.

Até frutas já desenvolvidas no pé correm risco. As que estiverem verdes, em floração, ficam mais vulneráveis ao cancro cítrico pelo excesso de umidade, doença que atinge fruta, folhagem e, em casos extremos, a própria planta. O produtor resume a situação: “É pior chuva de mais do que tempo seco”, diz ele, em uma sentença aprovada pelo técnico da Emater, que complementa: “No El Niño os efeitos são mais imediatos do que na estiagem. Da noite para o dia pode dar uma enchente que em poucas horas pode levar ao arraso, na estiagem o produtor ao menos tem como se planejar”, pontua.

Produtor Moisés Greinke atua junto com a esposa Marciane na propriedade de 30 hectares localizada na Colônia São Pedro, 3º distrito de Pelotas. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

Reivindicações

Se na questão climática o agricultor não dispõe de recursos para amenizar quadros adversos, na adoção de políticas públicas que beneficiem o setor, Greinke arrisca alternativas. O produtor reivindica mais apoio à agricultura familiar. A começar pela oferta de mais programas de aquisição de alimentos para escoamento da safra. Para ele, as iniciativas da prefeitura são insuficientes, embora reconheça que o Executivo municipal seja a principal esfera pública a prestar esse tipo de apoio. “A agricultura está abandonada, não fosse a Emater dar assistência a gente se sentiria quase que abandonado”, reclama.

Ele ainda se ressente do fato de a Fundação de Apoio Universitário (FAU/UFPel) ter parado desde 2018 de adquirir produtos in natura da agricultura familiar do município. Segundo Greinke, a produção local abastecia os três restaurantes universitários da instituição. “A FAU comprava um volume grande das cooperativas. Depois abriu uma licitação e entrou uma empresa que não faz mais essa aquisição – para o produtor foi muito ruim”, se queixa. Segundo ele, a agricultura familiar não precisa de dinheiro, mas de incentivos.

O extensionista da Emater reforça a crítica. Ele ressalta a importância dos mercados institucionais para o setor: “O fato de estar ligado a uma cooperativa representa compra certa de toda a produção com preço bom”.

Na fruticultura em especial, outro obstáculo no mercado local é a concorrência de outras regiões, especialmente a do Vale do Caí, região a pouco mais de 300 quilômetros ao Norte de Pelotas que engloba 19 municípios. “Dentro da mesma safra desce muita fruta e tumultua o nosso mercado – o preço fica numa média, se o produtor estabiliza o pomar com insumos a preços altos, a margem de lucro diminui, o retorno não vai ser o mesmo e não tem mais volta”, critica Greinke.

Propriedade modelo

O produtor não esconde o orgulho da propriedade que a família ocupa há pelo menos três gerações na Colônia São Pedro. Os 30 hectares originais não dão conta de um diversificado portfólio, que inclui além da fruticultura (bergamota, laranja e goiaba), leitaria, milho, soja e trigo. Por isso, atualmente arrenda mais 70 hectares, além de outros sete que comprou na colônia Santa Isabel, onde planta milho e soja.

O produtor também faz silagem para alimentar o rebanho leiteiro e conta com silo pra armazenar o milho em projetos trabalhados pela Emater. “A gente é quase uma propriedade modelo aqui da região”, diz. “Só não se produz mais porque não tem gente pra fazer”, lamenta.

Até 2010, quando casou com Marciane, os Greinke trabalhavam principalmente com produção leiteira e fruticultura, em uma escala bem menor que a de hoje. Dali em diante, com 20 anos, não mudou apenas de estado civil. Alterou também a matriz produtiva da propriedade. “Tinha que melhorar”, afirma. Começou aderindo ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Mais Alimento, do governo federal. O passo seguinte teve a Emater, para buscar informações. Lá descobriu que precisava passar a terra, ainda no nome do avô paterno, para o seu a fim de aderir ao financiamento no Banco do Brasil, que sempre se manteve em dia. Ele lembra: “Foi uma guerra, não tinha nada, recém-casado, sem ter onde cair morto”, ri.

Adquiriu um trator com direito à carência para quitar em dez anos, investiu em silagem para melhorar a produção da leitaria, ganhar dinheiro, pagar as dívidas contraídas e ampliar a produção. “Depois que ganhei confiança para arrendar terra, começamos a evoluir”, conta ele, satisfeito. Dos três tratores, dois estão pagos, além de uma ceifa própria e uma plantadeira nova. “Está tudo bem ajeitadinho, ainda temos a sorte de nos ajudar, aqui na região o pessoal trabalha unido, um vizinho ajuda o outro e troca bastante serviço”, comemora.

Até 2010, quando casou com Marciane, o trabalho consistia na produção leiteira e fruticultura, em uma escala bem menor que a de hoje, em que atua na leitaria, milho, soja e trigo. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

Toda essa dedicação se reflete na qualidade do que produz. Greinke garante que a fruta dos seus pomares só não é totalmente orgânica em função do adubo. Mas diz que, com apoio dos técnicos da Emater, utiliza composto de silagem, entre outras alternativas de manejo com insumos orgânicos. “Problema de veneno nas minhas lavouras não vai ter”.

600 toneladas de citros

Os 15 mil quilos de laranja e bergamota produzidos nos pomares da propriedade de Greinke compõem um total de 600 toneladas de cada uma das frutas que Pelotas deve produzir para fins comerciais na atual safra. A informação é de Rodrigo Prestes, do Escritório Municipal da Emater. Segundo o extensionista, embora a bergamota seja cultivada em praticamente todas as propriedades rurais do município, em apenas 20 ela é cultivada como fonte de renda dos agricultores.

“É um bom negócio”, diz Prestes. Ele recomenda: bergamota, principalmente a ponkan, tem mercado, tanto que a produção local não atende à demanda, e oferece rentabilidade. “É indicada especialmente em propriedades como a de Moisés, que é colhida na entressafra de grãos, e, portanto, pode aproveitar a mão de obra que foi empregada na soja e no milho, é muito conveniente na diversificação da propriedade”, argumenta.

Prestes lembra ainda que a fruta exige manejo relativamente simples e tem na longevidade uma de suas maiores virtudes – de 50 a 60 anos. Um dos entraves é o custo elevado de implantação, o que limita o começo da atividade.

Ele concorda que a estiagem pode ter prejudicado a safra em termos de produtividade. No entanto, assim como a uva, em anos mais secos a fruta ganha em qualidade, já que não sofre com umidade e se expõe a largos períodos de luminosidade. “É tudo o que a fruta quer”, explica. Resultado: as bergamotas nos pomares em 2023 em geral aparentam boa coloração e grau brix acentuado – escala que mede a quantidade de açúcar e sacarose da fruta.

Já em relação à laranja, o técnico da Emater alerta que o manejo não é tão simples como o da bergamota. Segundo ele, é uma fruta mais suscetível ao clima úmido da região: “Requer um cuidado muito maior que o da bergamota, mais sensível a doenças como o cancro cítrico – a Emater indica ao produtor começar pela bergamota, principalmente a ponkan, que é a preferida do consumidor.”

O que diz a prefeitura

Nota enviada pela Assessoria de Comunicação (Ascom) da prefeitura informa que entre julho de 2021 e agosto de 2022 a Secretaria de Assistência Social utilizou recursos junto ao PAA na ordem de R$ 399.930,40. O valor foi depositado na conta individual de 62 agricultores selecionados por meio de editais de chamada pública. Conforme o titular da Secretaria, Tiago Bundchen, os produtos foram doados a pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade social, resultando em aproximadamente 135 toneladas (134.965 quilos) de alimentos convencionais, orgânicos e agroindustrializados.

Ainda segundo ele, nesta edição do PAA a pasta ampliou a distribuição de hortifrutigranjeiros para além da rede socioassistencial pública. Outra novidade, de acordo com Bundchen, foi a inclusão de alimentos produzidos em agroindústrias familiares, como bolachas, bolos, ovos de galinha livres de gaiolas, pão de trigo integral e suco de uva. No caso de alimentos in natura foram adquiridos da produção local itens como abóbora, aipim, alface crespa, batata doce, batata inglesa, bergamota, beterraba, brócolis, cebola, cenoura, couve-flor, couve-folha, goiaba, laranja, melão, morango, pepino salada, pêssego, pimentão verde, repolho verde, tempero verde, tomate e uva niágara rosa.

O secretário afirma que para mais uma edição do PAA foram liberados R$ 300 mil à Secretaria. Foram selecionadas 31 entidades locais em outubro do ano passado para integrar o programa. O trâmite para seleção dos agricultores familiares está suspenso porque o governo federal, segundo o secretário, alega não haver disponibilidade financeira para pagamento dos produtores. “Estamos no aguardo de liberação”, disse.

O que diz a UFPel

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, em nota enviada pela Coordenadoria de Comunicação Social (CCS/UFPel), destaca que o Programa Interdisciplinar de Restaurante Escola (Pires) atendeu a demanda do restaurante universitário “desde 2009”. No entanto, esse modelo de gestão foi apontado como irregular pela Controladoria Geral da União (CGU-Regional/RS), o que levou à extinção do Programa para que a instituição se adequasse à exigência do órgão de controle.

Ainda na nota, a UFPel informa que segue o contrato firmado com a empresa vencedora da licitação, Refeições Norte Sul, o qual prevê a aquisição de alimentos da agricultura familiar na proporção mínima de 30% dos recursos recebidos, conforme regulamenta a Lei 11.947. A Pró-Reitoria assegura que foi criada uma comissão composta por entidades ligadas à agricultura familiar e de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), as quais atuam enquanto parceiras da Universidade no processo de cadastramento e acompanhamento dos requisitos legais que dizem respeito aos produtores e cooperativas. Desta forma, comissão e Universidade promovem editais para o cadastro de produtores e cooperativas da agricultura familiar com interesse em comercializar produtos com a contratada.

O prazo de vigência dos contratos é de 12 meses, a contar da data de assinatura, podendo ser prorrogado por igual período, tendo o limite de até 60 meses.

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