Agricultura familiar se reúne para debater estiagem e suas causas na Embrapa

Encontro discutiu medidas em torno da crise hídrica enfrentada ao longo dos últimos anos na região, com foco nos agricultores familiares. (Foto: Paulo Lanzetta)

As causas e os efeitos da estiagem, bem como as ações para combater o fenômeno climático que é cada vez mais frequente na região, foram os principais temas abordados no Centro de Capacitação da Agricultura Familiar (Cecaf) da Estação Experimental Cascata (EEC) da Embrapa Clima Temperado na manhã desta sexta-feira (5) durante a Reunião Extraordinária do Fórum da Agricultura Familiar da Região Sul do Estado.

Participaram produtores, pesquisadores, representantes de entidades ligadas à agricultura familiar, além de parlamentares com atuação na área, como os deputados estaduais Zé Nunes (PT) e Miguel Rosseto (PT), ministro do Desenvolvimento Agrário no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O ex-prefeito do Rio Grande e deputado federal Alexandre Lindemeyer (PT) também participou do Fórum. 

A abertura da Reunião foi marcada pelo lançamento do Dia de Campo da Agroecologia 2023. A data do evento deve ser confirmada para 7 de dezembro na Estação Experimental Cascata.

No encontro participaram assentados e também lideranças da pesca artesanal e de comunidades quilombolas. Uma das principais deliberações foi a confecção de uma carta com as reivindicações e sugestões de enfrentamento às causas da seca no estado. 

A deterioração das condições socioeconômicas das famílias da área rural, sobretudo as mais pobres, é uma das consequências mais latentes da falta de chuva. O desemprego é um dos principais reflexos, disse Nilo Dias, do Quilombo do Algodão, em Pelotas. Além disso, conforme ele, as ações das prefeituras de recorrer a caminhões-pipa não são suficientes para amenizar os transtornos provocados pelo déficit hídrico. Dias afirma que a maioria das famílias quilombolas, devido às condições de pobreza, não tem onde armazenar. “Dura no máximo três dias para consumo próprio”, afirmou. Ele sugere políticas públicas de construção de caixas d’água, cisternas e poços artesianos. Seriam soluções, de acordo com o líder quilombola, de custo barato que poderiam abastecer de dez a 12 famílias por um período maior.

O líder quilombola Nilo Dias, do Quilombo do Algodão, em Pelotas, durante o Fórum da Agricultura Familiar da Região Sul do RS, destacou que as ações devem ir além do transporte de água por caminhões-pipas. (Foto: Paulo Lanzetta)

A seca e suas consequências também atingem a pesca artesanal. Uma das representantes do setor afirmou que desde 2019 “não tem água boa para peixe” no estuário onde pesca, o canal São Gonçalo, altura de Santa Isabel, em Arroio Grande. “Com a seca o [nível do] São Gonçalo baixa muito, temos pouco peixe e somos obrigados a sair por mais de oito horas para pescar”, afirmou Fernanda Colvara, que representou a Colônia de Pescadores Z-24.

Fernanda Colvara, representante da Colônia de Pescadores Z-24 disse que a situação prejudica o grupo. (Foto: Paulo Lanzetta)

Colega de categoria, Sérgio Luiz Andrade, presidente da Associação dos Pescadores da Balsa (periferia de Pelotas, próxima ao canal São Gonçalo), chamou atenção para o projeto de instalação de Parque Eólico na Lagoa dos Patos. Uma situação que preocupa os pescadores, especialmente em relação aos impactos ambientais: “Não sabemos nada a respeito, ninguém nos chama para discutir, o Estado não nos procurou até hoje para tratar o assunto”, disse.

Assentado há 31 anos em Piratini, o representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Adelar Pretto, disse na Reunião que ao longo dessas três décadas já se deparou com períodos muito duros de falta de chuva. Nenhum, no entanto, como o último: “Foi o pior”, decretou.

Pretto criticou o que chamou de “falta de ação” do governo do Estado para enfrentar o problema. Minimizou o programa Troca-Troca (direcionado à sementes de milho) e cobrou mais recursos. Lembrou ainda que a seca é uma característica histórica da região Nordeste, que conseguiu superá-la com governos que criaram mecanismos eficazes para contorná-la.

Adelar Pretto, assentado há 31 anos em Piratini; disse que seca 2022/23 foi a pior que já enfrentou como agricultor. (Foto: Paulo Lanzetta)

“Temos que cobrar ações parecidas, não a pauta da Farsul [Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul], que é armazenar água de qualquer jeito e rebentar os mananciais, mas com respeito ao meio ambiente”, disse. O líder do movimento também cobrou do governo federal um Pronaf (Programa Nacional de Abastecimento da Agricultura Familiar) que volte a financiar “a produção de bóia”.

“Hoje é para o agronegocinho”, ironizou, em referência à parcela maior destinada a produtores de soja em pequena escala. 

Debate político

Presidente da Comissão Externa sobre Estiagem da Assembleia Legislativa, o deputado estadual e ex-prefeito de São Lourenço do Sul, Zé Nunes, entregou ao Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul o relatório que será encaminhado ao governador Eduardo Leite (PSDB). Conforme ele, que ajudou a fundar o Fórum, em 1996, a Comissão a qual presidiu ouviu durante 30 dias representantes municipais, quilombolas, assentados, pescadores e agricultores familiares. “Os relatos são fortes, a falta d’água e a ausência de políticas de Estado para enfrentamento da seca fazem as famílias pensarem em deixar a vida rural”, afirmou.

Segundo Nunes, o desequilíbrio climático torna a estiagem um fenômeno muito mais extremo e recorrente, o que obriga o governo do Estado a já ter tomado medidas mais perenes para contornar a escassez hídrica. “Mas ao contrário, o que o governo anuncia [Troca-Troca e R$ 39 milhões em recursos] não é nada em termos de impacto de combate à seca”, criticou. Nunes ainda lembrou que no governo Yeda Crusius (PSDB – de 2007 a 2010) foi instituído o programa estadual de irrigação. Na gestão seguinte [Tarso Genro, PT – 2011-2014] a ação foi ampliada para a agricultura familiar e implementado o Mais Água Mais Renda, para fins de abastecimento. “Nos últimos nove anos foi investido muito pouco ou quase nada, não tivemos continuidade de políticas, não temos política de convívio com a seca”.

Dentre as recomendações que o relatório da Comissão vai apresentar ao governador estão também a reedição do SOS Estiagem e o não sucateamento da Emater, com mais aporte de recursos no orçamento da empresa e dotação de técnicos especializados para lidar com a estiagem em todos os escritórios. 

Já Rosseto ressaltou que o Bioma Pampa perdeu quase 30% de sua vegetação nativa nas últimas três décadas. Ao mesmo tempo, segundo ele, a produção de soja entre 2000 e 2020 aumentou 3,5 milhões de hectares no Estado. O ex-ministro lamenta também que os comitês de bacias hidrográficas não existem. “Pelo menos três agências não saíram do papel, a Bacia da Lagoa Mirim sequer tem sede, e na Assembleia Legislativa a agenda da maioria é pela desregulamentação total, é evidente o impacto”, reclama.

Zona Sul  

Pelo menos nos últimos 20 anos a estiagem não é novidade na região. Conforme o coordenador do Escritório Regional da Emater, Ronaldo Maciel, na série histórica encerrada no ano passado os 20 municípios que compõem a Regional foram obrigados a decretar 124 decretos de emergência nos últimos 19 anos. O campeão é Herval, com nove, seguido de Arroio Grande, Jaguarão e Pedro Osório – oito cada. As perdas no período são bilionárias: somam R$ 1,8 bilhão.

Na safra 2022/23 as maiores perdas registradas na Zona Sul foram na produção de feijão, com percentual de quebra de 47,88%, de milho para silagem (47,82%), milho em grão (42,19%) e na produção leiteira (33,88%).

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