Foi aprovada pela Câmara de Vereadores, no dia 21 de agosto, o projeto de lei que torna a orixá Oxum como padroeira de Pelotas, junto ao santo católico São Francisco de Paula. Os orixás são divindades cultuadas por religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda. A proposta, que ainda precisa da aprovação da prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), gerou a alegria de muitos, mas também revelou o preconceito ainda fortemente enraizado em nossa sociedade.
A matéria, de autoria do vereador Paulo Coitinho (Cidadania), surge como uma pauta bastante discutida junto ao Conselho Municipal do Povo de Terreiro. O vereador conta que foi feita uma pesquisa por e-mail, expondo o projeto. Segundo Coitinho, a proposta recebeu mais de 600 assinaturas on-line. “No início, nas construções das cidades, a religião católica sempre determinou os padroeiros das cidades. A gente está fazendo uma reparação histórica e religiosa para Pelotas”, acrescentou.
No entanto, o projeto recebeu uma série de ataques nas redes sociais. As ocorrências foram registradas como intolerância religiosa na Polícia Civil e estão sendo apuradas, bem como a identidade das pessoas que estão por trás dos ataques.
Esse preconceito com as religiões de matriz africana ainda é muito presente em nossa sociedade como um todo. No entanto, para Mãe Elisângela de Oyá, pertencente à casa de religião Ilê Nação Cabinda Pai Ogum e Mãe Oyá, projetos de leis como esse são um passo importante em direção à representatividade e à inclusão religiosa. “O Estado é laico há muitos anos, mas nós nunca tivemos a nossa representatividade, agora, teremos. E isso é de uma força, é de suma importância para a nossa religião”, relata. “Cada um tem sua crença, seus valores, sua maneira de falar com Deus, e todas as maneiras são consideráveis e têm que ser respeitadas”, ressalta.
A líder religiosa afirma que esse sentimento é ainda maior devido ao fato de Oxum ter como representação uma imagem feminina. “Ter uma orixá feminina representando as religiões de matriz africanas é algo fenomenal, é algo muito grandioso para a representatividade feminina e religiosa”, completa Mãe Elisângela.
Quem é Oxum?
Oxum é considerada uma das orixás mais amadas dentro das religiões de matriz africana. Ela é a dona das águas doces e está muito ligada à fertilidade e às crianças, bem como ao amor, prosperidade, beleza, autoestima, esperteza e diplomacia. É sincretizada como Nossa Senhora da Conceição ou Nossa Senhora Aparecida na maioria dos estados brasileiros. Segundo Mãe Elisângela, é comum que mulheres procurem a orixá quando desejam engravidar ou para a proteção de seus filhos.
A orixá normalmente é referenciada aos sábados e o dia que faz referência a ela é 8 de dezembro. “Neste dia, várias casas de religião, que nós chamamos de Ilês, fazem as suas ofertas e tocam os seus batuques, agradecendo a fartura nas nossas mesas, o amor em família, pelas nossas crianças, pela saúde, enfim, fazendo os nossos agradecimentos pela prosperidade que ela traz para as nossas vidas”, explica ela.
Por que a escolha da orixá como padroeira?
A conexão da orixá com Pelotas vai além das águas doces que rodeiam seus territórios. Nos tempos de sua fundação, em meados de 1750, a cidade, que viria a ser uma das mais ricas e prósperas da região, foi construída através da mão de obra dos negros escravizados, os quais trouxeram sua cultura e religião. Apesar de serem fortemente cerceados até mesmo em seus modos de ver o mundo, eles resistiam e resistem até a atualidade. “Pelotas é uma cidade muito forte na religião de matriz africana por causa dos escravos que viviam aqui. Graças aos orixás, nós temos muitas casas de religião, cada uma com seu seguimento, mas todas contemplando e cultuando os orixás”, explica a líder religiosa. “A energia de Mãe Oxum sempre esteve em Pelotas, que é rodeada por águas doces e muito próspera, mas agora, tendo esse respeito a ela, deve estar ainda mais”, completa.
Outro ponto que conecta fortemente a orixá ao município é a cultura doceira, trazida pelos portugueses e adaptada – ou até enriquecida – pela cultura africana. Isso porque entre as oferendas possíveis para Oxum estão os doces, principalmente o quindim. “A arte doceira se perpetua até hoje, como a Fenadoce, a maior festa da nossa cidade, e o quindim sendo um dos doces mais característicos desta festa. Ele não só caracteriza a doçura de Pelotas, mas também a prosperidade, porque é impossível pensar na Fenadoce sem pensar no quindim”, explica Mãe Elisângela.