Pelotas: “Saúde e dignidade é o que nós não temos no momento”, afirma moradora de área sem saneamento no Obelisco

Conforme as moradoras, o problema já vem sendo enfrentado há mais de duas décadas, tendo piorado nos últimos anos. (Foto: Daniela Alves/JTR)

Fechamento de pequenos negócios, pés cobertos por feridas, carros atolados no quintal de casa e passarelas de tijolo improvisadas para que se possa cruzar da rua para dentro. Quando se pensa a respeito, o cenário remete a tragédias e a precariedade. Todavia, essa imagem é a realidade dos moradores da rua Francisco Ribeiro da Silva, no bairro Obelisco, em Pelotas.

Entre os diversos problemas estruturais da região, que partem desde a incidência de doenças como leptospirose até a recorrente convivência com os ratos que invadem as casas dos moradores, está a ausência de saneamento básico. Os moradores alegam que o pagamento das taxas de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos; limpeza urbana, coleta e destinação do lixo; e de drenagem e manejo da água das chuvas é algo desperdiçado, uma vez que não possuem qualquer tipo de assistência em relação ao problema que enfrentam.

“A primeira vez que eu levei para frente esse nosso problema, o Eduardo Leite ainda era prefeito. Tive uma reunião com ele, depois tive com a Paula (Mascarenhas) pelo mesmo problema. A gente tem tentado tudo o que a gente pode, mas nada tem solução”, relata Juliana Dias, que mora há 23 anos na região.

Segundo ela, em fevereiro de 2024, foi feita uma denúncia ao Ministério Público contra o Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep) por conta de um projeto para reestruturação da rua que estava pendente. No entanto, o projeto foi entregue, mas não teria sido executado por suposta falta de verba. “No dia em que nós estivemos na câmara em reunião com a nova diretora do Sanep, foi dito que tem uma obra para ser feita junto com todo o Vasco Pires que vai nos beneficiar, só que a gente não pode ficar esperando essa obra porque é para 2025. Até porque, toda água do Vasco Pires desce para cá, desce para dentro dos pátios. A gente precisa de uma solução agora”, sinaliza.

A realidade da perda de móveis, eletrodomésticos e de difícil locomoção dos moradores reflete em perturbações em seu ambiente de trabalho e também na redução da frequência escolar de crianças e jovens, que não conseguem sair de dentro de casa para irem à escola sem correrem o risco de entrar em contato com a água contaminada ou até sofrer acidentes mais graves.

A moradora Liliane Kolmar, que em recente situação de ter a casa invadida pela água, precisou acionar o Corpo de Bombeiros para deixar o local junto do filho e dos cachorros. Na ocasião, Liliane revela que os socorristas, quando vieram, tiveram de deixar o caminhão em um ponto mais alto da rua e usar roupas de mergulho para ajudar no salvamento dos animais.

Débora Soares, por sua vez, vive na área alagada com dois filhos pequenos e pais idosos, que carecem de cuidados especiais. Todas as vezes que precisa levar a mãe para consultas, tem de locomover a senhora – que faz uso de cadeira de rodas – até a parte mais alta, já que a ambulância não chega até o local. Para isso, elas precisam cruzar pela área alagada pelos esgotos da região.

“A forma com que nós estamos vivendo é insalubre, desumana, indigna. Falam tanto em saúde, falam tanto em dignidade, mas saúde e dignidade é o que nós não temos no momento”, destaca Débora.

Conforme as moradoras, o problema já vem sendo enfrentado há mais de duas décadas, tendo piorado nos últimos anos, após a construção de muros ao redor das casas, prédios e condomínios na região. A cada nova chuva e invasão das águas, móveis essenciais são perdidos e precisam ser repostos – isso com a consciência de que haverá o risco de perdê-los novamente. “A gente tá cansado de ouvir promessas, o que a gente mais ouve é promessas. A gente tá precisando de uma solução porque ninguém tá conseguindo mais viver nessa rua. Infelizmente, a gente tá sobrevivendo porque cada dia que passa, a situação piora cada vez mais. Se a gente não tiver uma solução urgente, nem que seja para desobstrução das valetas por dentro dos pátios, a nossa situação só vai piorar, porque casas em que não entra água, vão acabar entrando”, enfatiza Juliana.

O que diz o Sanep

De acordo com o Sanep, a situação da drenagem de toda a bacia é comprometida pelo avanço das construções irregulares, o que prejudica o curso da água e inviabiliza a manutenção do córrego, por onde deveria escorrer a água das chuvas, por ser um ponto baixo. “Anteriormente às novas construções, ele possuía cerca de três metros de largura. Hoje, tem pouco mais de meio metro. Isso faz com que a água da região fique represada e não tenha vazão, gerando acúmulos. A manutenção do local é ordinariamente de competência da Secretaria de Serviços Urbanos e Infraestrutura (SSUI), já que se trata de ruas não pavimentadas. Na última semana, equipes do Sanep vistoriaram a situação, juntamente da SSUI. Foi acordado que o Sanep, através da área técnica, buscará viabilizar projeto de drenagem deste ponto de alagamento. A solução definitiva aos moradores depende, ainda, da correção da bacia como um todo”, disse a empresa, em nota enviada ao JTR.

O projeto de drenagem, ainda não orçado, será potencializado por outro projeto importante para a região: o de esgotamento sanitário, concluído recentemente. Esse projeto, que dependerá de recursos da autarquia, está orçado em 7 milhões, com previsão de ser executado em 2025 e terá funcionalidade pelo sistema da Estação de Tratamento de Esgoto Engenho, contemplada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções, do governo federal, via financiamento.

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