A presidente da Associação dos Produtores de Doces de Pelotas, entidade que hoje conta com 17 associadas, recorre a uma comparação ao falar sobre a importância da Fenadoce, que neste ano chega a sua 29ª edição, para o setor. “Assim como para quem trabalha com sorvete a temporada é o verão”, começa Simone Bicca, “e o inverno é para quem trabalha com couros e peles, para nós, doceiras de Pelotas, a Fenadoce é a nossa temporada”, conclui.
E até aqui a condição do tempo influi. A líder da categoria torce por uma Fenadoce sem chuvas, de tempo seco e muito frio – “do lado de fora”, complementa.
Mas, fenômenos climáticos à parte, a Feira Nacional do Doce é para o setor sinônimo de aumento de vendas e de faturamento. Representa ainda reconhecimento à produção doceira de Pelotas. É quando a cidade sente de perto o poder desta tradição. Conforme a empresária, que administra há 16 anos a doçaria Dona Xica, na avenida Duque de Caxias, 182, bairro Fragata, é durante a Feira que as doceiras são mais procuradas. “As pessoas querem conhecer a nossa história, a história da tradição doceira, a história de Pelotas, todas essas histórias nesse período despertam mais atenção”, conta.
Esta realidade não é nova para ela. Não exatamente porque já tem 14 Fenadoces no currículo. Desde que a Rua do Doce se estabeleceu em julho passado na rua Sete de Setembro com calçadão da Andrade Neves, junto ao chafariz das Três Meninas, pessoas de fora de Pelotas, a turismo ou para outros fins, tornaram-
se público comum para as doceiras ali instaladas. “Circula muita gente de fora da cidade no Centro todos os dias, nos surpreendeu”, reconhece.
Para a presidente da Associação, neste caso a Rua do Doce tem sido uma Fenadoce o ano inteiro, embora em menor escala. Recentemente ela e as colegas receberam uma excursão proveniente de São Paulo com destino a Buenos Aires. O grupo pernoitou na cidade e teve a manhã livre para conhecer Pelotas – ou melhor, a Rua do Doce. Quanto à tradição doceira da cidade, não eram turistas de primeira viagem. Chegaram sabendo o que iam encontrar e o que queriam.
Simone testemunhou a visita – e a impressão deixada nos visitantes. Viram, provaram e gostaram. “Ficaram maravilhados”, orgulha-se. “Muita curiosidade envolvida, chegaram já à procura do doce de Pelotas”, relata. Na volta da capital da Argentina, o grupo retornou ao local. Dessa vez para encaixotar os doces tradicionais antes de seguir viagem. “Nosso doce está reconhecido nacionalmente”, confirma, sem esconder a satisfação.
Esta realidade deve-se muito à Fenadoce. Mas Simone destaca o papel que a Rua do Doce exerce neste processo – principalmente após a nova formatação, viabilizada via emenda parlamentar. Ganhou relevância frente à versão anterior, então localizada na Travessa Ismael Soares – o “beco da Khautz”, como também é conhecido – espaço que para a presidente não era “convidativo”.
“Vale lembrar que a maioria das doceiras que ocupavam aquele espaço saíram dali e se associaram”, emenda. Além de reforçarem o quadro associativo da entidade, as novas integrantes se unem no desafio de profissionalizar o setor. É por meio da Associação que se formam parcerias que têm apresentado resultados, como as realizadas com o Sebrae e prefeitura, via Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Inovação (Sdeti). São ações formadoras, que ajudam a tornar o doceiro também um gestor do próprio negócio. A líder da categoria dá a letra: “Não adianta fazer um produto de qualidade sem saber colocá-lo na rua, sem saber gerir um funcionário – a Associação viabiliza esses conhecimentos”.
Além disso, é a entidade que detém o selo de Indicação Geográfica, o qual confere a procedência do doce tradicional de Pelotas – 14 ao todo, a saber: quindim, olho de sogra, fatias de Braga, panelinha de coco, ninho, trouxa de amêndoa, pastel de santa clara, queijadinha, camafeu, bem casado, amanteigado, broinha de coco, beijinho de coco e papo de anjo.
“Na Rua do Doce ninguém vai comprar um quindim sem o selo de identificação”, garante Simone. Além do selo, esses doces são reconhecidos patrimônio imaterial do País pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), distinção concedida em 2018. Significa que são produzidos conforme as receitas originais, com mais de 200 anos, e só levam ingredientes in natura – e não industrializados, como leite condensado.
Na Rua do Doce as doceiras estão distribuídas em sete lojas (uma delas é destinada à Cooperativa dos Doceiros de Pelotas). Os espaços são compartilhados entre as associadas. Simone garante que funciona diariamente, das 9h30 às 19h30. Aos domingos e feriados, das 10h às 18h. Recentemente o espaço foi qualificado, graças à parceria com a iniciativa privada. Onde antes havia gazebos, o que impedia o funcionamento em dias de chuva, agora tem cobertura permanente. “Estamos todas funcionando a pleno, na Rua do Doce e fora dela, com estabelecimentos próprios, e também com eventos e por encomendas, o que é uma conquista já que na pandemia algumas de nós foram forçadas a parar”, alegra-se a presidente da Associação.
Produção intensa
Na Dona Xica, a proximidade da Fenadoce representa um salto significativo da produção. Uma realidade não só dela, mas de todo o setor. No seu caso, a produção chega a ser quatro vezes maior que a do restante do ano. É obrigada a contratar mais funcionários para atender a demanda. No mínimo mais dez apenas para produção. Para atendimento, nos dois estandes a que tem direito na Feira, já acertou com mais cinco novos empregados (para os dias de semana) e outros quatro para reforçar a equipe aos sábados, domingos e no feriado de Corpus Christi, dia 8 – num total de 19 postos abertos.
“Vale a pena”, admite. “Toda a cidade ganha, não só a doceira, toda a cidade. Ganha o hotel, o bar, o restaurante, a farmácia, o posto de combustíveis. A Fenadoce é boa para Pelotas.” Otimismo, portanto, não lhe falta. “A Fenadoce sempre dá o retorno que a gente precisa, em todos os sentidos – para nós, doceiras, assim que termina uma, começa a outra”, finaliza.