Aldeia Kaingang abre as portas para receber a comunidade pelotense

Dentro da Semana Municipal dos Povos Indígenas, famílias da aldeia Kaingang recebem interessados em conhecer mais sobre a cultura local. (Foto: Roberto Ribeiro/JTR)

Movimento não tem faltado nesta semana na aldeia Kaingang Gyró, área de 7,5 hectares (ha) na Colônia Santa Eulália, zona rural de Pelotas.

Na Semana Municipal dos Povos Indígenas – Resistência Kaingang, que começou segunda-feira passada (15) e se estende até domingo (21), os cerca de cem moradores receberam a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), secretários municipais, vereadores e representantes da rede de apoiadores, que inclui entidades religiosas, universidades e órgãos governamentais com atuação em diversas áreas, como a Emater/RS-Ascar, cujo escritório municipal presta serviços de assistência rural às famílias que se estabeleceram no local há pelo menos sete anos.

Na quarta-feira (17), a Câmara de Vereadores realizou no Centro Cultural da aldeia uma audiência pública proposta pela vereadora Fernanda Miranda (PSOL) no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Casa.

Mas os alunos da rede pública municipal e de projetos sociais e educativos formaram o principal público visitante do evento. Só no primeiro dia da Semana, quatro excursões de escolas e uma do projeto Linha Viva, que atua junto a crianças e adolescentes no bairro Fragata em turno escolar inverso, se deslocaram até a aldeia para conhecer os hábitos, cultura e modus vivendi das 18 famílias que moram na localidade, que soma um total de cem pessoas, entre homens, mulheres e crianças.

Além de conheceram o espaço, tiveram acesso à produção artesanal, apresentação de danças e cantigas da cultura kaingang protagonizadas por crianças da aldeia, contação de histórias, dentre elas a de como se estabeleceram no local, ervas medicinais extraídas de mata nativa para tratamento de várias doenças e degustação de iguarias típicas, como o fuá, cozido de ervas acompanhado com pão à base de farinha da mandioca plantada nas hortas das famílias e assado à lenha, sem fermento, preparado pelas mulheres da aldeia.

Pelo menos 12 bancas com cestarias, arcos, flechas, enfeites, colares, pulseiras, sarabatanas, apitos, casas de passarinho, entre outros itens, estão montados à espera dos visitantes. Parte da matéria-prima para confecção das unidades artesanais são extraídas do que ainda resta de mata nativa das proximidades da aldeia, como bambus, taquaras e cipós. A atividade é uma das principais fontes de renda da comunidade.

“Dá pra quebrar um galho, mas não é suficiente para comprar todas as coisas que precisamos”, avalia o cacique Pedro Salvador, de 60 anos, sobre o retorno que a venda das peças oferece às famílias. Por essa razão os indígenas não deixam de ocupar o calçadão da rua Andrade Neves, centro de Pelotas, para comercializar sua produção.

Cacique Pedro Salvador, de 60 anos, projeta melhorias na
aldeia como a construção de uma escola, ampliação da
área atual e construção de mais banheiros para as famílias. (Foto: Roberto Ribeiro/JTR)

O espaço foi liberado pela prefeitura aos artesãos e artesãs indígenas. Além de Pelotas, o cacique diz que com ajuda das entidades que dão suporte à aldeia outros mercados de comercialização foram abertos aos indígenas estabelecidos na Colônia Santa Eulália, como em cidades vizinhas e, nos meses de verão, nas praias da região, como Cassino, Hermenegildo, em Santa Vitória do Palmar, e Chuí. Outra fonte de renda é o Bolsa Família – benefício ao qual todas famílias são contempladas.

A coordenadora do projeto Linha Viva, Taís Gonçalves, gostou do que viu na aldeia, que por sinal já conhece muito bem. Educadora ambiental que trabalha com povos tradicionais, pesca artesanal e agricultura familiar, ela diz que mantém parceria com os indígenas desde que conseguiram, depois de muita negociação, se estabelecer na área.

Com professores e pais das quase 30 crianças e adolescentes que foram até a aldeia na tarde de segunda-feira, Taís diz que a ação foi ao encontro dos objetivos do Linha Viva. “Nosso trabalho é aproximar as crianças do campo e do entendimento de que tudo é uma só conexão, é ampliar a leitura de mundo, de capacidade de se enxergarem como um povo só, independentemente do lugar onde estão, perceber que tem outras formas de ser e existir, no que se ganha quando se está aqui e o que se perde quando se está inserido somente no mundo dito civilizado”, explica.

O grupo cumpriu o roteiro. Guiado por Marcos Salvador, professor da aldeia, primeiramente visitou a escola, onde recebeu informações sobre o conteúdo trabalhado com as crianças indígenas em sala de aula. Vale o registro de que tanto a escola como a aldeia são um espaço bilíngue onde se aprende e se fala kaingang e português. Na sequência percorreu as 12 bancas enfileiradas entre a escola e o centro cultural, ambiente no qual as crianças da aldeia apresentaram danças e cantigas ancestrais e o professor contou histórias. A atividade foi encerrada com a degustação de pão com fuá.

Reivindicação de melhorias
A construção de uma escola ampla para as crianças da comunidade é uma das principais reivindicações do cacique Pedro Salvador. A atual funciona em uma edificação construída para fins de moradia. Nela estudam 15 crianças dos níveis de pré-escola e séries iniciais.

Ele justifica a demanda. “Nossas crianças vêm de outra cultura, por isso têm mais dificuldade de adaptação. Uma escola maior, com infraestrutura necessária, pracinha, de educação bilíngue para estudar também o idioma kaingang, na nossa terra, perto das famílias, é uma necessidade”, aponta. Segundo o cacique, experiências anteriores de incluir os estudantes indígenas no ensino formal, em educandários na zona rural de Pelotas, não foram bem-sucedidas.

Outra reclamação do cacique é em relação à infraestrutura das famílias. Atualmente, conforme ele, existe um banheiro para atender 16 famílias. Naquela manhã, na abertura da Semana, ouviu da prefeita a garantia de que vai procurar o governo do Estado para construir um banheiro em cada uma das 18 casas da aldeia. Salvador garante que se depender dele a chefe do Executivo municipal não vai esquecer do compromisso. “Como não sei ler, sou analfabeto, o que coloco na minha cabeça nunca sai. Eu vou cobrar”, assegurou o líder indígena, que diz ter conseguido também junto a Paula o comprometimento em relação à pretendida unidade escolar.

Ampliação da aldeia
Para viabilizar a escola sonhada, o cacique adverte que a área de 7,5 hectares cedida pela prefeitura é pequena para os planos que tem para a aldeia Kaingang Gyró. Além da escola, ele almeja uma área onde seja possível ampliar as lavouras de milho, feijão e mandioca [hoje a produção é para subsistência], bem como atividades ligadas à avicultura e à suinocultura.

“Temos amor pela roça, e tem que passar isso para os mais novos, por isso a necessidade de mais uma área – nos sentimos presos, me criei no mato [região de Nonoai, Norte do Estado, a 616 quilômetros de Pelotas], numa área que não tinha fim”, reclama.
Ele pleiteia a cedência de uma área de três hectares localizada em frente à aldeia, também de propriedade da prefeitura. Além dela, diz que agricultores familiares vizinhos estariam dispostos a vender parte da propriedade à União – passo necessário à demarcação para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) possa declarar o espaço oficialmente como terra indígena.

Assistência rural
O apoio irrestrito prestado pela equipe do escritório municipal da Emater desde 2016 conta com o reconhecimento do cacique. “A Emater está sempre presente, olha muito por nós”, elogia.

De acordo com o sociólogo da unidade, Robson Loeck, as ações ofertadas via governo do Estado incluem açudagem (com a escavação de três açudes), participação em eventos como Fenadoce, Expofeira e festas municipais na zona rural de Pelotas para venda de artesanato, distribuição de kit artesanato e de ferramentas para agricultura, entrega de sementes (feijão, milho e hortaliças), assessoramento técnico em agricultura e em criação de pequenos animais e aves, articulação com secretarias municipais (Saúde, Desenvolvimento Rural e Assistência Social), trabalhos com parceiros como Cáritas e clubes de serviço (Rotary) e inclusão das famílias em projetos de fomento do governo federal para geração de renda.

Levantamento do Escritório aponta que na aldeia de 7,5 ha, três são agricultáveis; 2,4 ha são de mata nativa; e 0,6 hectares são ocupados pelos três açudes. Já o restante (1,5 ha) é composto por moradias, hortas, frutíferas, poço d’água e casa de cultura.

Como chegar
A Semana dos Povos Indígenas – Resistência Kaingang é aberta à comunidade. A entrada em direção à aldeia é pelo km 94 da BR-392, à esquerda da rodovia no sentido Pelotas-Morro Redondo. Mais informações podem ser obtidas em instagram.com/resistencia_kaingang.

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