O pelotense por trás da restauração do Monumento ao Laçador

Ricardo Jaekel, de 53 anos, atua na restauração da obra que, originalmente, foi criada por um pelotense. (Foto: Alan Mendonça)

O patrimônio histórico do Rio Grande do Sul é bastante rico em diversas regiões e cidades. Dentre eles, estão as estátuas que, geralmente, homenageiam figuras consideradas importantes na história de determinado local. Uma das esculturas mais emblemáticas é o Laçador. Definido como símbolo oficial de Porto Alegre em 1992 e tombada como patrimônio histórico do município em 2001, a obra representa um gaúcho com trajes típicos.

Segundo o historiador Marvin Souza Silva, a ideia de um monumento histórico tem relação com determinados valores, características e elementos do passado e do presente de uma identidade coletiva, sendo direcionados para o futuro a partir da monumentalização. “Os monumentos históricos, portanto, também podem vir a representar e evocar valores culturais e regionais, como no caso do monumento do Laçador, que é um símbolo do estado do Rio Grande do Sul”, explica.

O homem por trás da missão
O restaurador Ricardo Jaekel, de 53 anos, fez parte da primeira turma do curso de Conservação e Restauro da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em 2008, e é quem está por trás da restauração da estátua, reconhecida também como símbolo do estado.

Desde os 20 anos, ele se dedica ao trabalho com metais e viu na criação do curso uma oportunidade de qualificar ainda mais seus trabalhos. Hoje, o pelotense une os conhecimentos adquiridos durante a vida aos conhecimentos acadêmicos e trabalha paralelamente com os metais e a restauração.

Segundo ele, o custo alto da restauração faz com que a demanda de trabalho, ainda hoje, seja baixa. “Não dá pra viver só de restauração. É um trabalho que exige muito estudo, não só acadêmico, mas o estudo do título, do objeto que está mexendo. A atuação da restauração é muito cara, não se tem uma demanda de serviço”, conta.

Jaekel conta que o objetivo inicial não era trabalhar com monumentos e sim com a restauração de móveis. “Trabalhar com luminárias antigas, é um negócio que eu acho um barato porque ela te dá luz ao mesmo tempo, ela embeleza e as pessoas tem em casa”.

Pelotense fez parte da primeira turma do curso de Conservação e Restauro da UFPel, em 2008, e está por trás da restauração da estátua. (Foto: Alan Mendonça)

Mas ao final do mestrado, em 2010, ele ingressou na equipe formada pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS) para análise e futura restauração do Laçador. Na ocasião, conheceu o francês Antoine Amarger, também restaurador e especialista em esculturas ao ar livre, além de responsável pelos bronzes de museus parisienses, com quem trabalhou junto no restauro do monumento de Júlio de Castilhos na Praça da Matriz, em Porto Alegre.

Foi Amarger o responsável pela indicação do pelotense para assumir o seu lugar na restauração, por meio de uma carta de referências. “Eu fiquei maravilhado! Para qualquer profissional que pegar uma obra desse tamanho é muito bacana”, expressou ele, que faz parte de uma equipe com engenheiros, coordenada pela arquiteta urbanista e restauradora Verônica Di Benedetti.

A restauração
Em setembro de 2021, após cerca de 11 anos de estudos, o processo de restauração da obra começou oficialmente. O projeto realizado pelo Sinduscon-RS foi aprovado pela Secretaria Estadual da Cultura e tem investimento privado de R$ 803 mil, através da Lei de Incentivo à Cultura, além de apoio da Prefeitura de Porto Alegre, que investiu aproximadamente R$ 90 mil.

O processo de restauro contou com a locomoção do monumento para um galpão na capital gaúcha, onde cada membro da equipe trabalhou sua especialidade. Jaekel acompanhou o processo desde o início e deve estar presente até o dia da entrega oficial. Ele trabalhou diretamente na limpeza da peça, que sofreu com a exposição direta à poluição e diversas mudanças climáticas.

Jaekel afirma que é responsável por ‘embelezar a obra’. (Foto: Alan Mendonça)

“O objeto que é colocado na rua vai sujando. Então, se faz um jateamento, faz uma limpeza nele para enxergar todas as rachaduras, as fissuras”, disse. Mas o restaurador resume a sua principal responsabilidade como o ‘embelezamento da obra’. “Dar tonalidade de acordo com o que o autor queria, de acordo com o ambiente, com a população, se ele pode ficar mais colorido, menos colorido”, explica.

Segundo Jaekel, não existem registros históricos de outra restauração desse porte na escultura feita em bronze. Apesar disso, foram identificados por ele lugares com marcas de antigas soldas. “Nas pernas e um ponto na cabeça ele foi soldado. Então já tinham sido feitos. Ou foi na época da confecção dele. Ele pode ter tido uma rachadura na instalação”, disse. Ainda de acordo com ele, depois de devolvida para seu local de origem, a obra deve ser analisada pelo Sindicato de cinco em cinco anos, para se manter bem conservada pelos próximos 50.

O Laçador
A primeira etapa da estátua do Laçador foi criada em gesso pelo também pelotense Antônio Caringi, em 1954. O objetivo do artista era representar o estado na Exposição do 4º Centenário de São Paulo, mas uma mobilização dos gaúchos fez com que a Prefeitura de Porto Alegre reivindicasse a instalação da obra na Capital, o que aconteceu em 20 de setembro de 1958, data da Revolução Farroupilha, no Largo do Bombeiro.

Desde 2007, o monumento fica no Sítio do Laçador, próximo ao Aeroporto Salgado Filho, e pode ser visto por todos que chegam a Porto Alegre pela BR 116. O Laçador tem 4, 45 metros de altura, pesa mais de três toneladas e um pedestal de granito de 2,10 metros de altura.

Obra tem 4,45 metros de altura, e deve retornar em janeiro ao local na entrada da capital gaúcha. (Foto: Alan Mendonça)

“O monumento em si é uma realização pelo o que ele traz para o profissional, mas também pelo o que ele significa para o estado. Olha o que está na minha mão”, comemora Jaekel que agora projeta os próximos passos. Ainda em janeiro deve ir até Joinville, em Santa Catarina, para trabalhar com o restauro de um monumento local.

Para o futuro, não está longe dos planos trabalhar com monumentos pelotenses. “Eu gostaria [que fosse] daqui porque eu sou daqui. É um reconhecimento como profissional e para a universidade seria bárbaro. Se fosse aqui em Pelotas eu poderia fazer com uma equipe de estudantes”, explica o restaurador, que chegou a receber os alunos do curso da UFPel em Porto Alegre, onde explicou como funciona na prática o processo.

O significado histórico dos monumentos

O historiador acredita na importância de entender que os monumentos históricos carregam muito mais do que apenas os conteúdos que se buscam representados em primeiro plano.

“Existem objetivos e interesses que envolvem a criação e a construção destes monumentos. Pensando o monumento do Laçador no presente podemos questionar os significados do que é ser gaúcho hoje em dia, sobretudo quando a maioria dos monumentos históricos do Rio Grande do Sul se referem a personagens da nossa cultura branca, elitista e escravista que passam como “heróis” da Revolta Farroupilha”, pontua.

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