Espera de pacientes de Capão do Leão pela primeira consulta oncológica chega a 116 dias

Uma comitiva do município esteve na quinta-feira (11) na 3º Coordenadoria de Saúde, em Pelotas, cobrando soluções para o problema. (Foto: Reprodução)

“Eu não quero tirar a vida de ninguém, não quero que me passem na frente de ninguém. Quero que a fila ande para os casos graves, assim vai chegar minha vez também”, desabafa Fabiane Coitinho Melcheque, de 47 anos, diagnosticada com câncer de mama em janeiro deste ano e que até hoje espera pela primeira consulta com cirurgião oncologista para dar início ao tratamento da doença pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Com quase três meses de espera pelo primeiro atendimento pelo sistema público, Fabiane é a representante desse pedido de socorro expressado por uma comitiva de Capão do Leão, que esteve na quinta-feira (11) na 3º Coordenadoria de Saúde, em Pelotas. No município leonense, há casos de pacientes que esperam pela primeira consulta há 116 dias. No entanto, segundo a Lei 12.732/2012, o paciente oncológico deveria ser atendido em até 30 dias, sendo que o tratamento deveria ser iniciado em até 60 dias.

Fabiane percebeu o primeiro sintoma da doença no final do mês de janeiro, quando se dirigiu a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da cidade. Com a requisição em mãos, recorreu às instituições particulares para realização do exame, o qual constatou BI-RADS 5, classificação médica para uma lesão com alta suspeita de malignidade, ou seja, grande possibilidade de câncer.

Assim, a leonense foi encaminhada para 3ª Coordenadoria de Saúde para dar início ao acompanhamento pelo SUS. “Eles encaminharam tudo para lá e me disseram que era só esperar para ter a consulta com oncologista. Passaram 30 dias, passou mais um pouco…”, relatou ela. Devido à demora, a mulher reuniu os familiares e amigos em uma vaquinha e arrecadou dinheiro para fazer novamente a consulta e os próximos exames no sistema particular.

A biópsia e a imunoistoquímica constataram a cirurgia e tratamento necessários. Porém, agora, a espera é para a consulta com o cirurgião oncológico para realizar a cirurgia e dar início ao tratamento com quimioterapia. “Até cogitamos fazer novas vaquinhas solidárias, mas a quimioterapia não há condições de pagar, é muito caro. Somos de família simples, meu marido é pedreiro, trabalha por conta. A cirurgia é em torno de seis ou sete mil reais, mas as quimios cada sessão é cerca de 12 mil reais ou mais!”, relata. “O paciente com câncer que é pobre muitas vezes acaba morrendo na fila. É por isso que eu estou aqui”, completa.

A comitiva de Capão do Leão é composta ainda por oito vereadores, pelo atual secretário da Saúde, Paulo Renato Lorençon da Costa, e ex-titulares da pasta municipal, acompanhados de assessores. Os representantes do município foram recebidos em reunião pela coordenadora Milena Hoffmann.

Segundo o secretário da Costa, este é um pedido de socorro do município que possui 16 pacientes em situação de agravamento da doença, como o caso de uma paciente que se encontra internada após esperar por 116 dias pela primeira consulta. “Nossa reivindicação é que, se Pelotas não tem condições de atender nossos pacientes, que o Estado então referencie o nosso município para outra coordenadoria que possa nos atender”, explica. Isso porque a 3ª Coordenadoria de Saúde, localizada em Pelotas, atende 21 municípios, entre eles Capão do Leão. Enquanto outras atendem menos cidades e teriam capacidade para cobrir esses atendimentos, pelo menos de forma provisória.

Quanto às explicações dadas ao município, foi informado que há a falta de estrutura. A demanda pelos atendimentos tem aumentado, porém a capacidade das instituições não tem crescido proporcionalmente, principalmente em nível regional. “Com isso aumenta cada vez mais o número de pacientes, chegando a números que hoje nos preocupam muito. Não pode um paciente oncológico esperar tanto tempo. Muitos desses pacientes acabam, inclusive, vindo a óbito”, relata Costa.

As filas de espera são organizadas de acordo com a gravidade do caso, a partir de dados dos pacientes que são repassados pelos médicos locais para as coordenadorias de saúde. Esses dados e características dos pacientes são computados no Sistema de Gerenciamento de Consultas (Gercon), o qual permite priorizar as demandas por consultas especializadas mais graves e urgentes, e não apenas por ordem de entrada no sistema. As solicitações são registradas a partir de um formulário padrão, classificando a prioridade de acordo com critérios pré-definidos de classificação de risco. O agendamento ocorre de acordo com a complexidade, a regionalização e o tempo que o paciente aguarda na fila de espera pela consulta especializada.

Atualmente, a lista da oncologia na região sul é de 281 pacientes. Com a alta demanda de atendimentos, pessoas com diagnósticos considerados menos graves ficam atrás na fila. Isso não seria um problema se o sistema médico que realiza os atendimentos tivesse capacidade para as demandas de consultas e procedimentos. Neste momento entra a fala de Fabiane sobre a necessidade de que casos graves sejam atendidos para que os menos graves também recebam atendimentos e não piorem – o que, aparentemente, não tem acontecido da maneira que deveria, já que a fila não anda ou avança de forma extremamente lenta.

Essa foi a segunda reunião entre os representantes e a coordenadoria. A outra havia sido realizada na semana passada e não trouxe respostas muito positivas. Na ocasião, foi indicado que ainda não havia um prazo para que essa situação fosse resolvida. Com o descontentamento, a comitiva retornou nesta semana e recebeu uma notícia mais positiva e inesperada. Enquanto conversavam, um ofício do Departamento de Assistência Especializada de nível central chegou à coordenadora que o leu em voz alta. Entre as determinações, consta:

“Estamos realizando o agendamento desses pacientes para unidades oncológicas em gestão estadual, como a de Rio Grande e Bagé. No entanto, reconhecemos que esta é uma solução temporária e que medidas mais concretas e rápidas precisam ser tomadas para resolver essa crise. Neste sentido, solicitamos que seja elaborado um plano contingência para a oncologia em Pelotas. Esse plano deve incluir prazo, oferta e estratégia para garantir que os pacientes recebam o tratamento que necessitam de maneira oportuna. (…) Solicitamos retorno máximo no prazo de cinco dias”.

De acordo com a coordenadora, medidas já estão sendo tomadas pelo órgão para solucionar esse problema. “Houve um atraso dos prestadores deste serviço, o qual Pelotas nos coloca que já está sendo regularizado. As medidas que estão sendo tomadas são a notificação de Capão do Leão e o trabalho em conjunto com Pelotas para que os prestadores cumpram com o que é contratualizado pelo Estado, visto que o Estado não tem nenhum repasse financeiro em atraso. Então está sendo feita essa notificação ao município, o qual nos sinalizou que nos próximos dias irá nos regularizar essa demanda dos pacientes de oncologia”, acrescenta Milena. Além disso, a coordenadora afirma que está sendo planejado uma capacitação para os médicos regionais para que o cadastro dos pacientes no sistema seja feito com mais praticidade.

Enquanto isso, mesmo neste caso de que cada dia é essencial para o tratamento da doença, os pacientes seguem esperando pela regularização da situação, “A cada dia que você acorda de manhã, você pensa ‘será que meu telefone vai tocar hoje? Será que vão me ligar?”, conclui Fabiane.

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