Tecnologia holandesa em terras baixas

O chefe do Escritório Comercial Holandês no Sul do Brasil, Caspar van Rijnbach, durante evento na 34ª Abertura da Colheita do Arroz, em fevereiro, na Estação Embrapa Terras Baixas, no Capão do Leão. (Foto: Nauro Júnior/Satolep Press)

A Holanda está na Zona Sul. E não vem a passeio. Foi na última edição da Abertura da Colheita do Arroz, de 21 a 23 de fevereiro na Estação Embrapa Terras Baixas, no Capão do Leão, que se começou a alinhavar um estudo sobre irrigação e drenagem das áreas de arroz em terras baixas (Pelotas e região), baseadas na expertise e tecno­logia holandesa. O trabalho, de acordo com Caspar van Rijnbach, chefe do Escritório Comercial Holandês no Sul do Brasil (NBSO, na sigla em inglês), com sede em Porto Alegre, deve ficar pronto em maio deste ano.

Conforme adiantou ao JTR, as características topo­gráficas similares da região com os Países Baixos – onde cerca de 40% do território está abaixo do nível do mar – foram decisivas para promover esta aproximação. Mas não apenas, já que o país europeu dispõe historicamente de uma tecnologia avançada de desenvolvimento para lidar com desafios hídricos. E, para completar, é o tercei­ro principal destino das exportações do arroz gaúcho – o primeiro é a China.

“Há um alto potencial da produção na região (…) acre­ditamos que com a combinação entre conhecimento, tec­nologia e experiências brasileiras e holandesas, esta pro­dução pode ser elevada ainda mais”, disse van Rijinbach.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

JTR Agro – No que consiste o estudo sobre a produção de arroz em terras baixas e quem ou quais instituições vão conduzi-lo?

Caspar van Rijnbach – O estudo é o resultado de um trabalho inicial realizado pelo governo holandês do bioma Pampa na região em 2022-2023. Esta análise destacou a expansão da agricultura irrigada, a rotação e a diversifica­ção de culturas, e um forte compromisso com a agricultura sustentável por parte dos principais intervenientes, in­cluindo o Estado e os agricultores. A análise concluiu que a irrigação e a drenagem são uma preocupação imediata dos agricultores. As condições climáticas são diferentes no Sul em comparação com outras regiões do País, o que levou as atuais tecnologias disponíveis a serem inade­quadas às necessidades específicas da área. Na verdade, o Pampa – ou terras baixas – é muito semelhante à paisa­gem e ao clima holandês, razão pela qual os Países Baixos são a melhor referência para a cooperação.

Também foi identificado que existe um forte interesse na diversificação de culturas para grãos de inverno como segunda colheita no ano. A Embrapa Clima Temperado, junto com agricultores locais, também está produzindo pesquisas com culturas de cobertura, como azevém e tre­vo, para a saúde do solo, bem como alternativas e mé­todos de irrigação do arroz para reduzir as emissões de gases com efeito estufa. Há ainda interesse em genética de material de grãos de inverno holandeses. A Embrapa é parceira fundamental para trabalhar na validação de sementes holandesas no Ministério da Agricultura e Pe­cuária do Brasil (Mapa).

A principal barreira à implementação de grãos de inver­no e à rotação de culturas é a forte precipitação no inverno, e o cultivo do arroz, que vem com solos saturados de água. A drenagem atual com equipamentos e técnicas não está atendendo às necessidades da região. Por isso, os pesqui­sadores da Embrapa e os agricultores manifestaram gran­de e imediato interesse na experiência holandesa. Além das máquinas de irrigação e drenagem, como bombas e ferramentas, há interesse em serviços de manutenção e equipamentos para irrigação e drenagem de canais. Isso poderia ser negociado em um pacote com monitoramento do solo, planejamento territorial e programas.

O escopo do estudo setorial deve focar em três aspec­tos principais: 1) equipamentos de drenagem (válvulas e bombas eficientes) para compensação da seca; 2) equi­pamento para manutenção de sulco e canal; 3) material genético para ganhos de inverno, resistente a baixas tem­peraturas e alta umidade, possibilitando cultivos múlti­plos (cultura comercial). Deve delinear o tamanho exa­to do mercado para estes pontos, bem como identificar empresas holandesas que terão interesse em fazer este negócio com o Rio Grande do Sul porque a irrigação e a drenagem dependem da paisagem e das características do solo. O estudo deverá levar em conta que as negociações de equipamentos e manutenção também devem incluir os serviços de consultoria e planejamento, software. O estudo será realizado pela empresa Antea Group, de ori­gem holandesa com muita experiência em gestão de solo e agricultura sustentável em parceria com a Pezco Econo­mics, uma empresa de consultoria em economia e análises financeiras do mercado brasileiro.

JTRA – Qual a perspectiva de conclusão do trabalho e sua apresentação aos produtores da região?

CVR – A conclusão do estudo está prevista para início de maio. A divulgação dos resultados deve ocorrer entre maio e junho.

JTRA – Como o escritório avalia o potencial produtivo de Pelotas e região em terras baixas?

CVR – A realização do estudo está fundada na visão dos representantes de agricultura do governo holandês no Brasil de que há um alto potencial da produção na região. A região já tem uma produção boa, mas acreditamos que com a combinação entre conhecimento, tecnologia e ex­periências brasileiras e holandesas, esta produção pode ser elevada ainda mais, inclusive por meio de rotação e modelo completo ampliado.

JTRA – As características topográficas da região com a Holanda facilitam esta aproximação?

CVR – Sim. O nome da Holanda, na forma oficial é Paí ses Baixos, ou seja, bem similar às Terras Baixas. Em tor­no de 40% dos Países Baixos está abaixo do nível do mar. Os Países Baixos são conhecidos pela luta contra o mar e a convivência constante com desafios da água. Há 20 anos temos um polo internacional [Water Campus], que é talvez o principal centro europeu de tecnologia no setor, com foco em contribuir com pessoas e empresas a serem mais eficientes no uso da água. Acreditamos se tratar de uma expertise que tem muito a contribuir com a produção agrícola na região.

JTRA – Há parceiros na região para a condução deste trabalho?

CVR – Este trabalho se iniciou por meio de um estudo feito junto com a Embrapa e vários outros stakeholders [grupos e indivíduos com interesses convergentes, em tra­dução livre] na região, como a Farsul, CNA, Federarroz, Irga, entre outros. Todos os atores serão envolvidos novamente para garantir que o estudo leve em conta todos os ângulos, necessidades e oportunidades.

JTRA – Os Países Baixos não produzem arroz em fun­ção do clima, que não é propício. Mas qual a participação agrícola do País na União Europeia?

Os Países Baixos são os maiores exportadores de agri­cultura da Europa e o segundo no mundo (à frente do Bra­sil). Apesar de ser um grande produtor de agropecuário, uma boa parte das exportações se deve também a impor­tações de commodities agrícolas ou produtos de outros países. Em 2023 nossas exportações de produtos agrícolas foram de aproximadamente 124 bilhões de euros.

JTRA – Além desse estudo, há outras iniciativas condu­zidas pelo escritório de negócios no Estado para a região no setor do agronegócio? Quais?

CVR – Estamos trabalhando junto com a Universida­de de Wageningen, uma das principais universidades do mundo em estudos ligados à agricultura, na criação de um consórcio em agricultura de precisão para soja, um projeto liderado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Embrapa, Fundação ABC e grandes empresas multinacio­nais e locais. Nossa ideia é continuarmos conectando em­presas holandesas com as empresas e organizações brasi­leiras na região para ampliar negócios e oferecer soluções.

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