
Com palestra da cientista social e colunista do Tradição Regional, Elis Radmann, do Instituto Pesquisa de Opinião (IPO), seguida de debate e churrasco de confraternização, a Associação dos Municípios da Zona Sul (Azonasul) promoveu na manhã desta terça-feira (19) o 3º Diálogos do Sul. A atividade realizada no Salão Nobre da Associação Rural de Pelotas (ARP), no Parque Ildefonso Simões Lopes, Zona Norte de Pelotas, marcou a agenda final da organização em 2023.
Todos os prefeitos, alguns acompanhados de vices, dos 22 municípios que compõem a entidade, além de assessores parlamentares e do deputado federal Daniel Trzeciak (PSDB), participaram do encontro que discutiu desenvolvimento econômico e a disputa eleitoral que se avizinha no ano que vem.
O evento foi aberto pelo presidente da Azonasul, Marco Antônio Barbosa (União), prefeito do Chuí e cujo mandato na Associação se encerra em fevereiro do ano que vem. A tendência é de que seja ocupado pela prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), sua atual vice. Em segundo mandato nos respectivos municípios, ambos não concorrem à reeleição em 2024.
Apesar do clima festivo, Barbosa não evitou o tom de desabafo na saudação aos seus pares. Ele diz ter razões para isso. “Foi o nosso ano mais difícil, muita escassez em função da polarização na disputa eleitoral para a presidência da República de 2022, todos quiseram se eleger à custa do povo, à custa dos prefeitos, retirando recursos que nos prejudicaram muito, todas as prefeituras foram oneradas com aumento de despesas e diminuição de receitas”, afirmou.
Ao Tradição Regional, Barbosa disse acreditar que possa haver uma pequena melhora, graças à derrubada do veto imposto pelo Congresso Nacional à desoneração da folha. Para ele, a decisão favorece os municípios. “A gente vivencia os problemas das prefeituras diariamente, em serviços de saúde, educação, infraestrutura e assistência, tudo isso deixa nós, prefeitos, muito agoniados”, disse.
Como principal aprendizado à frente da Azonasul, o prefeito do Chuí destaca a cultura da união entre os mandatários municipais da região. “Em todas as nossas reuniões houve um quórum bem grande, a Zona Sul está cada vez mais unindo prefeitos, foi assim na pandemia, na seca e nas enchentes, foi uma experiência nova e muito rica”, afirmou.
Com a palavra
Desenvolvimento regional e desenvolvimento econômico dos municípios, é, segundo Elis Radman, quase uma obsessão no âmbito da gestão municipal. Recomendou qualificação de servidores, colaboradores e cargos comissionados, os CCs no enfrentamento “do novo mundo” que se insere na administração pública, sobretudo com a universalização do aparato digital.

De acordo com ela, se lideranças empresariais reivindicam redução do Estado e menos impostos, uma oferta de serviços menos burocrática é uma exigência de toda a população, principalmente na área da Saúde. Salientou também questões de infraestrutura e inovação. Feito o que Elis chamou de “tema de casa”, é possível observar melhorias como aumento de consumo, ampliação de empregos e renda, atrair investimentos e, assim, ampliar a arrecadação. Tais conclusões são fruto do trabalho de pesquisa qualitativa realizada pelo IPO este ano, contratada pela Assembleia Legislativa junto ao setor produtivo gaúcho.
“Tudo isso começa nos municípios”, alertou Elis. “Portanto, tem que inverter a agenda, olhar para o nosso umbigo local, nosso umbigo regional, e levar estas pautas, sempre a partir de nossas vocações, de forma integrada para os governos, do Estado ou federal, senão for para esse mandato, [que seja] para o próximo, porque é um processo de construção, não é algo pronto”, recomendou.
Politica
Diante de um eleitor historicamente refratário à política e descrente nas instituições, movimento que cresceu a partir de junho 2013 e atingiu seu auge em 2018, Elis chama atenção que o smartphone, que começou a se massificar no país em 2012, teve papel preponderante na cristalização da intolerância e da indignação atual. “Ele empoderou as pessoas e as conectou. Antes se pensava assim: ‘eu não gosto de política, esses caras não prestam, não adianta fazer nada’”. Com o aparelho em mãos, ao alcance das redes sociais, se percebeu que a indignação individual era coletiva. “A polarização de 2018, de 2022 e o 8 de janeiro tem a ver com a desconfiança nas instituições, que hoje atinge o Judiciário e o jornalismo”, afirma.
Há ainda outros pontos elencados pela cientista social neste perfil do eleitor: a prática do “jeitinho brasileiro”, que após a pandemia chega a 60% dos que admitem recorrer a esse tipo de comportamento – “e quem faz jeitinho acredita que os políticos também fazem”, explica -, e dúvidas quanto à democracia. Conforme pesquisas realizadas pelo IPO, um terço dos gaúchos não reconhece a democracia como valor universal, seja por convicção ideológica ou por descrença no regime.
Além disso, 40% no RS (índice muito similar na região) não se classifica ideologicamente – é o tal “voto na pessoa”. Já 14% se diz de esquerda, 15% ao centro e 20% à direita. Os que se dizem de centro estão mais posicionados à direita, mesmo caso dos 40% que refutam alinhamento ideológico. Quanto a valores sociais e morais, Elis Radmann foi categórica: quem se candidatar em 2024 vai enfrentá-los num cenário de grande divisão sobre esses temas. Alguns deles serão discutidos “a quente”, no plenário do STF, como a liberação do porte de drogas para consumo pessoal e a legalização do aborto.
“Como lidar com eles exige reflexão”, recomenda Elis, que prevê polarização em cidades maiores, como Pelotas, Porto Alegre e Caxias do Sul, e de uma forma velada nas menores – onde prevalecerão a “moral e os bons costumes”.