
Mergulhado há quase um mês na maior tragédia climática de todos os tempos, o Rio Grande do Sul passa a ver o 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade, sob uma nova perspectiva. “Todas as vidas importam” foi a frase mais pronunciada ao longo desses mais de 24 dias em que a força das águas deixou um rastro de destruição desde as regiões da Serra e Metropolitana de Porto Alegre até o Extremo-Sul, com 469 municípios afetados e uma população de 2.342.460 pessoas atingidas, 163 mortes, 806 feridos, 64 desaparecidos, 65.762 em abrigos e 581.643 desalojados – números do governo do Estado em 23 de maio.
E é sob a perspectiva de preservação da vida que se baseia o conceito da Biodiversidade. A definição de biodiversidade ou “diversidade biológica” é a variabilidade de organismos vivos de todas as origens (inclusive a variedade entre indivíduos de mesma espécie – diversidade genética), de ecossistemas (terrestres, marinhos e aquáticos) e dos complexos ecológicos de que fazem parte.
O Dia Internacional da Biodiversidade, comemorado no dia 22 de maio, celebra esta imensa variedade de seres vivos e ecossistemas do mundo e enfatiza a necessidade de conscientizar a sociedade sobre a proteção de espécies e habitats para garantir o futuro às próximas gerações. A data foi escolhida na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) Rio-92 (Eco-92 ou Cúpula da Terra), realizada no Brasil em 1992, quando foi aprovado o texto final da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), base legal e política para acordos ambientais em todo o mundo.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), o Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo, estimada em cerca de 15% da flora e da fauna de todo o mundo. São mais de 120 mil espécies de animais e 40 mil de plantas em sete biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal, Costeiro e o nosso tão amado Pampa gaúcho.
Entre os principais fatores responsáveis pela destruição da biodiversidade estão a exploração excessiva de espécies de plantas e de animais; uso de híbridos e monoculturas na agroindústria e nos programas de reflorestamento; contaminação do solo, água e atmosfera por poluentes; perda e fragmentação dos habitats.
Estes fatores, com especial atenção ao último, vêm sendo propagados e a preservação dos recursos naturais defendida pelo ecólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Marcelo Dutra, há vários anos. “Além de investirmos mais em prevenção e adaptação das cidades às mudanças climáticas e eventos extremos, é preciso pensar na preservação, no caso de Pelotas e municípios da Costa Doce, que têm no seu entorno além da Lagoa dos Patos uma abundância de áreas úmidas de diferentes fisionomias, incluindo banhados e campos úmidos, que abrigam uma grande biodiversidade”, ressalta Dutra.
Segundo ele, estes ambientes nos protegem ao abrigar importante serviço ambiental, que é o efeito esponja, absorvendo grandes quantidades de água, nos livrando de alagamentos e inundações. “Por isso, não podem estar ocupados, não podem ter empreendimentos sobre eles, mas mantidos na sua forma integral para que sejam úteis enquanto área de proteção”, reitera. Além disso, estes ambientes têm grande capacidade de absorver carbono, e fazem o seu sequestro de forma até mais eficiente do que as florestas, afirma.
Defesa da vida
O conservacionista e professor de Gestão Ambiental da UFPel, Giovanni Nachtigall, destaca que cada espécie tem a sua função, seu papel no ecossistema. “Uns são mais significativos que outros. As espécies que mais contribuem para o clima, por exemplo, são as grandes árvores da floresta Amazônica, fundamentais para regular o clima, e algumas delas nós temos aqui no Rio Grande do Sul, como o cedro e a cangerana”, salienta. Nachtigall explica que estas árvores transpiram e ajudam a gerar as nuvens que formam a chuva, além de mantê-las normais, abundantes e bem distribuídas. Os animais que plantam e dispersam as sementes destas árvores também são importantes como as arapongas e os tucanos.
Os impactos da grande quantidade de água e sedimentos escoados através do Lago Guaíba e da Lagoa dos Patos até o oceano, ao longo deste mês, ainda não podem ser medidos, mas poderão ser positivos ou negativos, dependendo de cada espécie, destaca o professor. Dentre os aspectos positivos, o professor cita a fertilização, já que estes sedimentos vêm do Planalto e região Serrana, que têm em seus terrenos aspectos vulcânicos, solos derivados da decomposição do basalto, que têm elementos que ajudam na fertilização do solo para algumas plantas. “O impacto negativo vai depender de cada espécie e deverá ser mensurado futuramente”, reforça.
Para os organismos aquáticos, a água deve ficar mais escura, com menor visibilidade para os peixes. “Este sedimento vai decantar e se depositar no fundo da lagoa o que pode impactar o crescimento de vegetação aquática”, diz.
Além disso, Nachtigall aponta a parte agronômica, que precisa ser mensurada. “As terras agrícolas que foram arrasadas vêm com insumos, fertilizantes ou agroquímicos, o que sempre ocorreu, agora com mais intensidade, num só evento”.
“Uma recomendação da ONU e grupos de pesquisa feita já há alguns anos é que estivéssemos entrando na década da restauração ecológica”, afirma o professor. De acordo com ele, devíamos estar restaurando áreas de ambientes naturais e ecossistemas, tanto florestas quanto áreas de campo. “Esta é uma receita antiga, um tema de casa que não está sendo feito, e infelizmente parece que é preciso que ocorram eventos extremos para que tanto a população e poder público entendam e coloquem em prática estas recomendações, mesmo assim não há garantias de que ocorra”, avalia.