Travessia

Ciro José Mombach, médico. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

Quando éramos crianças, a época mais esperada era a das fé­rias escolares. Viajávamos para vi­sitar nossos avós em Bom Princípio. Era uma longa viagem, que dura­va do nascer ao pôr do sol. Éramos seis: pai, mãe e quatro filhos abo­letados em um Studebaker 1951, que o pai dirigia com prazer.

A estrada, poeirenta e cheia de curvas, atravessava montanhas, vales e pontes que víamos passar pela janela com deleite. Era cheia de entroncamentos e o pai, às ve­zes, errava o caminho e tínhamos que retornar.

Iniciávamos a viagem cheios de energia e agitação. No cami­nho, muitas paradas, pois tinha sempre alguém enjoado ou com dor de barriga. O cansaço da via­gem só não era maior do que a ex­pectativa da chegada. Porém, o auge da viagem era a travessia do rio Caí, cujo nome já antecipava todos os nossos medos. Era feita de balsa e o rio variava bastante de profundidade. Assim, as ram­pas de acesso à balsa eram mui­to íngremes e nos pareciam muito estreitas. Quando o pai apontava o bico do carro para as rampas, era aquele silêncio tenso e o terror de cair nos tomava por inteiro. Já na balsa, víamos a correnteza forte passando por debaixo do carro e isso também nos agitava.

Depois da balsa, Bom Princí­pio, os abraços dos avós, férias, alegria e felicidade! Nossa vida se assemelha a uma viagem em que, cheios de energia e expecta­tivas, atravessamos a infância e a adolescência. Na vida adulta, ini­ciam as curvas e as dúvidas do ca­minho. Quem vamos escolher por parceiro de viagem? Que profis­são vamos exercer? Se vamos ser bem sucedidos… Enfim, muitos entroncamentos…

Algumas vezes vamos ter que voltar atrás e recomeçar, sem per­der o entusiasmo. Teremos que parar para tomar ar quando as do­enças se atravessarem.

Como nas férias, o importante nessa viagem é que desfrutemos a paisagem.

Diferente, entretanto, o final dela não é desejado, embora pos­sa ser aceito, ou até tolerado. Aqui, a travessia cria também receios e temores. A preparação para a tra­vessia começa pela aceitação da finitude. Melhor ainda se acredi­tamos na continuação da viagem, do outro lado do rio. Assim, nos encontraremos todos, algum dia, em Bom Princípio.

Ciro J. Mombach
Médico

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