Quando éramos crianças, a época mais esperada era a das férias escolares. Viajávamos para visitar nossos avós em Bom Princípio. Era uma longa viagem, que durava do nascer ao pôr do sol. Éramos seis: pai, mãe e quatro filhos aboletados em um Studebaker 1951, que o pai dirigia com prazer.
A estrada, poeirenta e cheia de curvas, atravessava montanhas, vales e pontes que víamos passar pela janela com deleite. Era cheia de entroncamentos e o pai, às vezes, errava o caminho e tínhamos que retornar.
Iniciávamos a viagem cheios de energia e agitação. No caminho, muitas paradas, pois tinha sempre alguém enjoado ou com dor de barriga. O cansaço da viagem só não era maior do que a expectativa da chegada. Porém, o auge da viagem era a travessia do rio Caí, cujo nome já antecipava todos os nossos medos. Era feita de balsa e o rio variava bastante de profundidade. Assim, as rampas de acesso à balsa eram muito íngremes e nos pareciam muito estreitas. Quando o pai apontava o bico do carro para as rampas, era aquele silêncio tenso e o terror de cair nos tomava por inteiro. Já na balsa, víamos a correnteza forte passando por debaixo do carro e isso também nos agitava.
Depois da balsa, Bom Princípio, os abraços dos avós, férias, alegria e felicidade! Nossa vida se assemelha a uma viagem em que, cheios de energia e expectativas, atravessamos a infância e a adolescência. Na vida adulta, iniciam as curvas e as dúvidas do caminho. Quem vamos escolher por parceiro de viagem? Que profissão vamos exercer? Se vamos ser bem sucedidos… Enfim, muitos entroncamentos…
Algumas vezes vamos ter que voltar atrás e recomeçar, sem perder o entusiasmo. Teremos que parar para tomar ar quando as doenças se atravessarem.
Como nas férias, o importante nessa viagem é que desfrutemos a paisagem.
Diferente, entretanto, o final dela não é desejado, embora possa ser aceito, ou até tolerado. Aqui, a travessia cria também receios e temores. A preparação para a travessia começa pela aceitação da finitude. Melhor ainda se acreditamos na continuação da viagem, do outro lado do rio. Assim, nos encontraremos todos, algum dia, em Bom Princípio.
Ciro J. Mombach
Médico