Surdos e Mudos não entram no Reino de Deus!

Dom Jacinto Bergmann. Foto: Divulgação

Texto de Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo da Igreja Católica de Pelotas.

Para cumprir minha missão, que me concedeste, ó Abbá, precisei ser um itinerante. Porque “as raposas têm tocas e os pássaros do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Não reclamo, ó Abbá, pois a itinerância é própria do nosso Espírito. Eu estava na região de Tiro e sai da região. Passei por Sidônia e continuei até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. Uma caminhada bem intensa. E a minha missão de anunciar o Reino de Deus irrompendo-se na minha pessoa ia acontecendo mesmo de forma pequena. É verdade, ó Abbá, o seu Reino é como o grão de mostarda pequeníssimo lançado na terra, mas torna-se a maior das hortaliças.

Nesta minha itinerância pela região da Decápole, eminentemente pagã, aconteceu que um grupo de pessoas me trouxeram um homem surdo, que falava com dificuldade. Que pena me deu este homem: não poder ouvir e falar com dificuldade. Ele também tinha o direito de ouvir a boa-nova do Reino de Deus; também tinha o direito de anunciar essa boa-nova. Nele, eu enxergava tantos surdos e mudos para o teu Reino de todos os tempos e lugares! O surdo e quase-mudo estava diante de mim e o grupo com insistência me pediu que lhe impusesse as mãos. Neste pedido estava já expresso a abertura de fé em mim por parte dos pagãos da Decápole. Pensei: é hora de exercer a força divina, mesmo somente curando a surdez e a mudez físicas. Fazia parte da missão: recuperar a vida física, mas sinalizar que eu vim para trazer a vida em abundância.

Como fiz para atender o pedido de impor as mãos e sinalizar o algo mais da vida em abundância? Abbá, eu afastei-me com o surdo e quase-mudo para fora da multidão: eu não queria espetáculo! Aí eu coloquei os dedos nos seus ouvidos, e cuspi e com a saliva toquei a língua dele. Gestos bem concretos e de proximidade! Então, olhando para o céu, suspirei e disse: “Efatá!”, que quer dizer “Abre-te!”. Claro, a nossa força divina fez com que os ouvidos do homem se abrissem, sua língua se soltasse. Certamente vou precisar muitas e muitas vezes ainda pronunciar o “efatá para muitos surdos e mudos. Aqui, visivelmente o homem surdo e quase-mudo começou a falar sem dificuldade. A surdez virou escuta, a mudez virou anúncio. Que grande sinal para a escuta e o anúncio do Reino de Deus! É necessário que as pessoas tenham ouvidos abertos e línguas livres para o Reino de Deus. E a vida em abundância estará próxima!

Mas, Abbá, após a abertura dos ouvidos e a liberdade da língua do homem surdo e quase mudo, recomendei com insistência, que o grupo não contasse a ninguém o que tinha ocorrido. Eu temia que apenas espetacularizariam o fato sem entender o significado maior; não entenderiam como sinal de acolhida do Reino de Deus. Porém, quanto mais eu recomendava, mais eles o divulgavam. Realmente a profundidade do fato ainda não foi captado. Eu preciso ainda esperar mais: as coisas do Reino de Deus são lentas para  compreender. A compreensão é uma graça do Alto.

Mas, Abbá, pelo menos, os que estavam me acompanhando e vivenciaram a abertura dos ouvidos e a liberdade da língua do surdo e meio-mudo, ficaram impressionados e diziam a meu respeito: “Ele tem feito todas as coisas: Aos surdos fez ouvir e aos mudos falar”. Já é um primeiro passo! Logo mais também entenderão que a vida em abundância consiste em abrir os ouvidos e libertar a língua para o Reino de Deus. “Surdos“ e “mudos“ não entram no Reino de Deus.

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