Imunidade parlamentar: Quando a liberdade de expressão excede os limites constitucionais

Vilson Farias (Foto: Divulgação)

A imunidade parlamentar material, prevista no artigo 53, caput, da Constituição Brasileira, assegura aos deputados e senadores a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos, com o objetivo de garantir o livre exercício do mandato, sem sofrer pressões externas ou repercussões judiciais. Porém, essa proteção não é absoluta, estando sujeita a limites conforme o contexto em que a manifestação ocorre.

A interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) e da doutrina constitucional tem mostrado que a imunidade não pode ser invocada indiscriminadamente, especialmente quando a manifestação do parlamentar extrapola os limites da função legislativa e afeta direitos fundamentais. O STF tem reiterado que a imunidade não deve ser usada como um “escudo” para comportamentos ilícitos ou ataques a instituições. Isso ficou claro em decisões importantes, como o julgamento da Ação Penal 1.044 (caso Daniel Silveira) e em outros precedentes relacionados à aplicação dessa prerrogativa.

O deputado federal Daniel Silveira gerou controvérsia ao proferir declarações de ódio e ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a seus ministros em suas redes sociais. A defesa de Silveira alegou que ele estava amparado pela imunidade parlamentar material, conforme o artigo 53 da Constituição. Contudo, o STF refutou esse argumento, destacando que a imunidade não se aplica quando a manifestação ocorre fora do ambiente legislativo e não está relacionada ao exercício do mandato.

O Supremo enfatizou que, embora o artigo 53 garanta a inviolabilidade das opiniões dos parlamentares, essa proteção não é irrestrita. No caso de Silveira, suas declarações não estavam vinculadas à sua função legislativa e, ao contrário, violavam a ordem democrática e o princípio da separação de poderes. O STF concluiu que a imunidade parlamentar não pode ser utilizada para a prática de crimes, como ataques a instituições e ameaças à ordem constitucional. Como resultado, Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, com a perda de seus direitos políticos e a cassação do mandato.

Outro caso relevante envolveu o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que fez declarações jocosas e ofensivas sobre a jornalista Miriam Leitão, mencionando sua suposta tortura durante o período da ditadura militar. Nesse caso, a manifestação também ocorreu fora do âmbito da atividade parlamentar e não estava ligada ao exercício do mandato de Eduardo Bolsonaro, o que inviabilizou a aplicação da imunidade parlamentar.

Segundo a doutrina de Gilmar Mendes, a imunidade parlamentar deve ser interpretada como uma proteção ao livre exercício da função pública e não como uma licença para a violação de direitos individuais. O artigo 5º da Constituição estabelece que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, e, portanto, qualquer manifestação que atente contra a dignidade da pessoa humana deve ser analisada com rigor. A imunidade parlamentar, nesses casos, não pode ser utilizada para proteger comportamentos que impliquem danos à honra ou à dignidade das pessoas.

A imunidade parlamentar material é uma prerrogativa importante para a proteção da liberdade de expressão no exercício da função pública. Contudo, como qualquer direito fundamental, ela não é absoluta. O STF tem reiterado que a imunidade parlamentar só se aplica quando as manifestações têm vínculo direto com o exercício do mandato e respeitam os limites da Constituição. Casos como o de Daniel Silveira e as ofensas a vítimas de tortura demonstram que a imunidade não pode ser usada como um escudo para proteger condutas que violem direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a ordem democrática.

A interpretação da imunidade deve ser cuidadosa e equilibrada, considerando o contexto das manifestações e sua relação com a função parlamentar. O objetivo é assegurar que os parlamentares possam exercer suas funções de maneira livre, mas sem ultrapassar os limites impostos pela Constituição, preservando a dignidade e os direitos de todos os cidadãos.

 

Referências bibliográficas:

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira; PULLO, Paulo de Barros; BRAGA, Inocêncio. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

REALE, Miguel. Teoria do Direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GONET, Paulo. Comentários à Constituição do Brasil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

PASSOS, John Wesley Santos Silva. “A imunidade parlamentar é absoluta?”. Revista Brasileira de Direito Constitucional, v. 10, n. 4, p. 123-145, maio 2022.

HASSELMANN, Gustavo. “Limites à imunidade parlamentar material: dois casos emblemáticos”. Revista de Estudos Jurídicos, v. 25, p. 234-256, maio 2022.

 

Vilson Farias
Doutor em Direito Penal e Civil, e escritor

Charles Jacobsen
Pós-graduado em Advocacia Consultiva

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