Gerânios e pistolas

Ciro José Mombach, médico. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

Da janela do apartamento no oitavo andar, Cesar e seu genro contemplam o movimento da rua, aguardando a volta de sua esposa e filha do shopping.

Subitamente vários carros do Bope chegam velozes e param na frente do prédio. Rapidamente cercam o prédio da floricultura em frente com toucas ninja e metralhadoras em punho.

Em seguida, saem com um rapaz pardo e esguio, rendido sob a mira das armas e desaparecem num piscar de olhos.

Ato continuo, elas chegam com as faces lívidas e as vozes embargadas e perguntam:

– Vocês viram o que aconteceu na floricultura?

– Vimos, mas não entendemos.

Contaram. Então. a seguinte história:

“Entramos despreocupadas na flo­ricultura pra comprar uns gerânios e plantar na sacada. Falamos para a atendente:

– Viemos escolher umas plantas!

Alguém ao lado agarrou firmemen­te o braço de Cintia.

– Aqui ninguém vai comprar nada!

– Que é isso cara tá me estranhan­do, respondeu Cintia puxando o braço.

– Não vê que é um assalto, disse ele, pressionando a pistola contra suas costelas.

Olhamos ao redor e, como num fil­me em pause, percebemos oito mulhe­res e uma criança de colo rendidas pelo assaltante. Nossa entrada colocou em suspenso momentaneamente o assal­to. Do outro lado do balcão o segundo comparsa agitava uma pistola e gritava

– Me dá o dinheiro, todo mundo, e os celulares também!

Enquanto isso, esvaziava furiosa­mente a caixa registradora.

Eu passei disfarçadamente a bolsa para as costas enquanto Cintia, lenta­mente, colocou o celular no bolso de trás da calça.

– Eu vi um celular, cadê o celular, me passa o celular!

Fizemos ouvidos moucos e o assal­to seguiu em frente. Quando recolhe­ram tudo que queriam e achamos que terminara, um dos assaltantes vai em­bora pela porta da frente e o outro, nin­guém entendeu o porquê, fica toman­do conta dos 10 reféns. Se nota que está nervoso e não sabe o que fazer.

– Todo mundo em fila, vamo pra casa dos fundos, rápido, rápido!

Seguimos em séquito passando entre bromélias e alfazemas até che­gar à sala da casa.

– Todo mundo deitado no chão, agora!

Todo mundo obedeceu, dava para ouvir os joelhos batendo no piso de ma­deira. Eu escondia minha bolsa, às ve­zes na frente, às vezes atrás, de acordo com o movimento do assaltante.

Ninguém se atrevia a levantar os olhos, mas dava pra ver a pistola tre­pidando nas mãos nervosas do as­saltante. Havia um berço no quarto. Aproveitei e me enfiei o mais que pude embaixo dele. A criança de colo come­çou a chorar alto e todos nós ficamos angustiadas temendo o pior.

– Faz essa criança calar a boca ago­ra, ou……

Não sei como, mas a criança se acalmou. Foi então que bateram na porta e se ouviu:

– Aqui é a polícia, cê tá cercado, se rende e entrega a arma!

No mesmo instante, ele pega pe­los cabelos uma das reféns e encosta a arma na sua cabeça.

– Tenho reféns, cês não vão me pega!

Todo mundo se encolheu mais ainda prevendo o tiroteio que viria. Foi então que se ouviu de uma das reféns uma voz clara e serena:

– Se rende moço, senão eles vão te matar!

E o moço escutou a voz do bom senso e se rendeu. A seguir, coturnos e mais coturnos passaram por cima de nós. Comecei a sair de gatinhas em di­reção à porta, quando senti um puxão na minha roupa:

– Senhora, pode levantar, o assalto terminou, tá tudo seguro!

Na saída pensei, não vou per­der a viagem e me dirigi a dona da floricultura:

– Moça, posso escolher minhas plantinhas agora?

A mulher trêmula e lívida, mas mais que tudo espantada respondeu:

– Senhora, agora não é uma boa hora, pode ser amanhã, por favor?”

O jardineiro, que de longe tudo via, foi quem chamou a polícia.

Gerânios e pistolas são uma asso­ciação não só improvável, como tam­bém impensável. Todavia, em algum lugar aconteceu, ou não…

Ciro J. Mombach
Médico

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