Nossa vizinhança, no sentido de paisagem do entorno, é muito rara, senão única, em moradias urbanas. Moramos em andar relativamente alto.
Pela manhã, somos despertados pelo sol que se infiltra pelas frestas da persiana. Ao abrirmos a janela, ao longe, os campos de futebol do parque esportivo, onde apreciamos os embates de futebol de fim de semana. Mais próximo um pouco, as piscinas que emanavam alegria e gritaria nos verões e que, agora descuidadas, não passam de água escura. Bem próximo está um capinzal rústico que tentamos embelezar jogando sementes de lavanda, sem sucesso, ou frutificar com sementes de melão que vingaram, mas não produziram os frutos esperados. No solo, quero-queros se reproduzem e assistimos ao afã dos pais tentando preservar suas crias dos ataques dos cães vadios. Há também os preás que se reproduzem livremente e são os protegidos de minha mulher. Sempre que um gato ou cachorro se aproxima de suas trilhas, sai ela a gritar e sacudir uma toalha na vã tentativa de frustrar seus ataques.
No entanto, é na frente norte com muitas janelas que o palco da natureza se amplia. Fileiras de eucaliptos abrigam toda sorte de aves. Cardeais, Joões-de-barro, bem-te-vis, pica paus, gralhas sanhaços azuis e elas, principalmente elas, as caturritas. Se revezam para comer os frutos da erva-de-passarinho que parasita os eucaliptos. Acompanhamos das janelas a reprodução de todas as espécies, porém, pelo número e pela algaravia, as caturritas se destacam. É um incessante voejar que se assemelha ao filme Avatar, carregando ramos e rebentos para construir e reconstruir seus ninhos. No entanto, sua vida é constantemente assombrada pela indesejada companhia dos gaviões. Há de todos os tipos e tamanhos. Quiriquiri, caracará, carrapateiro, gavião de penacho, harpia… Quando eles chegam, as caturritas debandam em gritaria e logo são socorridas pelos seus protetores: os bem-te-vis e os quero-queros. Ficamos admirados de sua coragem, pois, às vezes enfrentam gaviões que mais parecem dinossauros voadores. Verdadeiras batalhas aéreas são travadas, mas, na maioria das vezes, os predadores são expulsos. Porém, as penas e restos de carcaça em nossas sacadas testemunham seu eventual sucesso.
O entorno citadino do nosso apartamento é a frente oeste que confronta com a Dom Joaquim. Dali podemos observar os caminhantes e corredores em atividade, no afã de manter a forma. Há também o incessante passar de carros, que aos sábados e domingos muda o menu sonoro. Desfilam os vencedores de concursos de sonorização automotiva, disputando qual performa melhor e mais alto. Se instala, então, uma cacofonia insuportável.
Para nossa sorte, temos nosso abrigo nos fundos, onde o sossego, os preás e os quero-queros nos confortam.
No embate entre carros sonorizados e humanos inconformados, somos as caturritas.
Quem seriam nossos protetores?
Com a palavra o Poder Público, a Guarda Municipal e a Brigada Militar…
Ciro J. Mombach
Médico