Gaviões e caturritas

Ciro José Mombach, médico. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

Nossa vizinhança, no sentido de paisagem do entorno, é muito rara, se­não única, em moradias urbanas. Mo­ramos em andar relativamente alto.

Pela manhã, somos despertados pelo sol que se infiltra pelas frestas da persiana. Ao abrirmos a janela, ao longe, os campos de futebol do par­que esportivo, onde apreciamos os embates de futebol de fim de sema­na. Mais próximo um pouco, as pisci­nas que emanavam alegria e gritaria nos verões e que, agora descuidadas, não passam de água escura. Bem próximo está um capinzal rústico que tentamos embelezar jogando sementes de lavanda, sem sucesso, ou frutificar com sementes de melão que vingaram, mas não produziram os frutos esperados. No solo, quero-queros se reproduzem e assistimos ao afã dos pais tentando preservar suas crias dos ataques dos cães va­dios. Há também os preás que se re­produzem livremente e são os prote­gidos de minha mulher. Sempre que um gato ou cachorro se aproxima de suas trilhas, sai ela a gritar e sacudir uma toalha na vã tentativa de frus­trar seus ataques.

No entanto, é na frente norte com muitas janelas que o palco da natureza se amplia. Fileiras de eu­caliptos abrigam toda sorte de aves. Cardeais, Joões-de-barro, bem-te-vis, pica paus, gralhas sanhaços azuis e elas, principalmente elas, as catur­ritas. Se revezam para comer os fru­tos da erva-de-passarinho que para­sita os eucaliptos. Acompanhamos das janelas a reprodução de todas as espécies, porém, pelo número e pela algaravia, as caturritas se des­tacam. É um incessante voejar que se assemelha ao filme Avatar, carre­gando ramos e rebentos para cons­truir e reconstruir seus ninhos. No entanto, sua vida é constantemente assombrada pela indesejada compa­nhia dos gaviões. Há de todos os ti­pos e tamanhos. Quiriquiri, caraca­rá, carrapateiro, gavião de penacho, harpia… Quando eles chegam, as ca­turritas debandam em gritaria e logo são socorridas pelos seus protetores: os bem-te-vis e os quero-queros. Fi­camos admirados de sua coragem, pois, às vezes enfrentam gaviões que mais parecem dinossauros voadores. Verdadeiras batalhas aéreas são tra­vadas, mas, na maioria das vezes, os predadores são expulsos. Porém, as penas e restos de carcaça em nossas sacadas testemunham seu eventual sucesso.

O entorno citadino do nosso apar­tamento é a frente oeste que confron­ta com a Dom Joaquim. Dali podemos observar os caminhantes e corredores em atividade, no afã de manter a for­ma. Há também o incessante passar de carros, que aos sábados e domin­gos muda o menu sonoro. Desfilam os vencedores de concursos de sono­rização automotiva, disputando qual performa melhor e mais alto. Se insta­la, então, uma cacofonia insuportável.

Para nossa sorte, temos nos­so abrigo nos fundos, onde o sosse­go, os preás e os quero-queros nos confortam.

No embate entre carros sonoriza­dos e humanos inconformados, somos as caturritas.

Quem seriam nossos protetores?

Com a palavra o Poder Público, a Guarda Municipal e a Brigada Militar…

Ciro J. Mombach

Médico

Enviar comentário

Envie um comentário!
Digite o seu nome