Seletividade alimentar e autismo

Eduardo Gil da Silva Carreira, advogado, e Ângela Miguelis Caruso, terapeuta. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

A seletividade alimentar é uma característica amplamente observada em indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), frequentemente relacionada a fatores sensoriais, comportamentais ou mesmo fisiológicos. Dificuldades alimentares e preferências restritivas são muito comuns, afetando entre 50% e 80% das pessoas com TEA, embora não constituam um critério diagnóstico para o transtorno.

A alimentação é uma experiência multifacetada, que envolve a ingestão de alimentos com características variadas, como consistências, texturas, sabores, aromas, temperaturas e até mesmo sons. Essa experiência é mediada pela integração e organização de vários sistemas sensoriais, envolvendo o sistema interoceptivo, relacionado à percepção dos órgãos internos, fornecendo ao cérebro informações sensoriais sobre o funcionamento visceral; o sistema proprioceptivo responsável pela consciência da posição e movimento das partes do corpo no espaço; o sistema vestibular que garante o controle postural e o equilíbrio corporal; o sistema visual proporcionando o primeiro contato com os alimentos por meio da observação de cores e formas; o sistema tátil  que permite sentir a textura e a temperatura dos alimentos. Também o sistema olfativo processando os cheiros, influenciando a aceitação ou rejeição dos alimentos; o sistema gustativo vinculado à percepção dos sabores; e o sistema auditivo influenciado pela experiência de sons relacionados à mastigação ou ao ambiente durante as refeições.

As causas das dificuldades alimentares em pessoas com TEA são altamente individuais e abrangem fatores orgânicos, anatômicos, funcionais, sensoriais, motores globais, motores orais e comportamentais, e exige uma abordagem integrada e personalizada. A seletividade alimentar pode manifestar-se de diversas formas, incluindo preferências restritivas por texturas, sabores ou temperaturas específicas. A hipersensibilidade sensorial é uma característica comum, amplificando cheiros, sabores e sensações físicas dos alimentos, o que pode levar às chamadas aversões alimentares. Além disso, a neofobia alimentar — o medo de experimentar novos alimentos — pode limitar drasticamente a variedade de alimentos consumidos, reduzindo a dieta a poucos itens conhecidos e aceitos. Outro aspecto frequentemente observado são os distúrbios gastrointestinais, como constipação, refluxo ou intolerâncias alimentares. Estudos sólidos apontam para uma possível ligação entre o TEA e alterações na microbiota intestinal, o que pode influenciar comportamentos e preferências alimentares. Crianças e adultos com TEA frequentemente buscam alimentos específicos como forma de conforto ou evitam refeições em situações sociais devido à sobrecarga sensorial e associações emocionais com a comida.

É fundamental envolver a pessoa com TEA nas escolhas alimentares e respeitar suas sensibilidades para construir uma relação positiva com a alimentação. A avaliação por um médico ou nutricionista pode ajudar a identificar deficiências nutricionais decorrentes de escolhas restritivas e monitorar intolerâncias ou alergias. A introdução gradual e respeitosa de novos alimentos pode ser facilitada com o apoio de profissionais especializados, como terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, que trabalham aspectos motores e comportamentais relacionados à alimentação. Ambientes tranquilos e familiares durante as refeições também podem minimizar a ansiedade associada à tentativa de introdução de novos alimentos. Essa abordagem compassiva promove uma experiência alimentar mais positiva e ajuda a reduzir o impacto das dificuldades alimentares na saúde geral.

Vale destacar que a seletividade alimentar no TEA não é uma frivolidade ou mero comportamento intencional, mas reflete características neurológicas e sensoriais próprias do transtorno. Assim, uma abordagem baseada no respeito às necessidades individuais é essencial para promover bem-estar e qualidade de vida.

Ângela Pereira Miguelis Caruso

Terapeuta e Mãe Atípica

Pós-Graduanda em Educação Inclusiva com ênfase em Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) e Altas Habilidades

Instagram @prof_angelacar

E-mail [email protected]

Eduardo Gil da Silva Carreira

Advogado – OAB/RS 66.391

Pós-Graduando em Transtorno do Espectro Autista (TEA): Inclusão Escolar e Social

Instagram @carreira.adv.inclusiva

E-mail: [email protected]

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