No antes do agora

Está tudo igual. Nada mudou. Continuamos os mesmos. Mais velhos, é claro.

E vamos observando a vida, que repete idênticos enredos com personagens diversos.

Tenho saudade de mim, de quem eu era naquele tempo. No antes de agora.

Mas não sinto falta de nós.  Nossa relação de causa e efeito foi conturbada e tempestuosa.  Sinto falta do meu jeito, do meu sorriso, da maneira de olhar, de abraçar a vida, da coragem de ser só ternura.  De todas as faces e fases que eu tive naquela época e que, de alguma maneira, ainda estão plasmadas no rosto que vejo através do espelho.

Esqueci de como éramos. Será que participamos, como cúmplices, de momentos importantes, ou foi só um intervalo entre uma cena e outra?

Perdi-me de ti numa dessas curvas indesejáveis e continuei, de armas e bagagens a tiracolo, a levar a sequência dos dias numa viagem por outras paragens. Perdi-me de mim, também. Deixei a bússola em algum porto e guio-me pelas estrelas. Quando o céu está nublado, tenho problemas de navegação.

Hoje é sexta-feira e já estou com saudade de ontem. Basta uma passagem de hora para que eu sinta falta do que se foi.  Por essa razão, não alimento esperanças quanto ao teu retorno. Além do mais, a adolescência é de curta memória e nunca volta atrás para explicar os silêncios ou a algazarra que deixa em seu rastro.

É bom lembrar de ti com todos os teus defeitos e virtudes. O desassossego que trazias aos meus dias fez parte do meu crescimento e da minha evolução. Hoje sou consequência. As dúvidas que criavas em meus pensamentos se transformaram em certezas quando me deixaste.  E o deslumbramento que a vida oferece em cada detalhe é a herança inalienável que me possibilitaste usufruir com a tua passagem.

No fundo, sou reflexo de tua imagem. Ninguém passa impunemente por ti, ou melhor dizendo, nada escapa aos teus encantos.

Nos momentos de inquietude e angústia que tua presença causou havia um misto de fim e de começo, uma transição dolorosa entre uma época e outra. A infância e a juventude estreitadas por entre mãos invisíveis que acariciavam e apertavam ao mesmo tempo, proporcionando o desabrochar da mulher.

Sei que nunca mais voltaremos a cruzar nossos destinos e isso me tranquiliza. Deixaste em teu lugar apenas algumas fotos para que eu lembre de ti e breves poemas rabiscados em um antigo caderno, mas teu nome está gravado na minha biografia com letras indeléveis: ADOLESCÊNCIA!

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