Intimidade

É comum, por mais incrível que pareça, constatar uma completa falta de intimidade emocional entre pessoas que convivem debaixo de um mesmo teto. Possível é, portanto, viver e conviver anos a fio com alguém sem jamais ter intimidade.

E não faço menção a afinidade ou entrosamento. Minha abordagem é direta­mente projetada para essa lacuna que existe nas relações amorosas cotidianas e “ditas” ajustadas, em que a intimidade mental inexiste de um todo.

Erroneamente, alguns pensam que dividir a cama e a conta no restaurante é uma amostra de como são verdadeiramente íntimos e ligados um ao outro. Isso é parceria, acordo físico e social. Desfigura a intimidade no momento em que permite que um tratado se imponha como tônica da relação com limites e normas.

Partilhar pedaços invisíveis e intangíveis do universo interior é intimidade genuína. E surge naturalmente, dispensando o preestabelecido ou determinado.

Intimidade é muito mais do que saber detalhes próprios e peculiares de quem vive conosco, tipo: data de aniversário, perfume preferido. Intimidade tem muito a ver com entrega, com escancarar a alma, com botar a cara na vidraça. Intimida­de é usufruir da extrema liberdade de ser exatamente verdadeiro na presença e na ausência do outro, sem medo de ser julgado, condenado e executado.

Ser íntimo é ser transparente. É simplesmente poder ser e estar na companhia de quem nos conhece pelo avesso e, apesar disso, ainda, demonstra seu afeto.

Intimidade é ter confiança cega no outro. É ter segurança no sentimento sem precisar de salvo-conduto para ir e vir, sem precisar justificar o mau humor ou a gargalhada solta.

Intimidade é um elemento tão forte e significativo que continua existindo mesmo depois que se acabam as convivências, que se extinguem as relações de “beijinhos e carinhos”. Uma vez adquirida e exercida, a intimidade passa a ser privilégio eterno, enquanto viverem os envolvidos.

Intimidade é o segredo. E é não precisar ter segredos. É viver às claras no noturno do outro.

Íntimo é quem não faz perguntas porque sabe as respostas, é o que não cobra porque sabe que o afeto é de graça. Ser íntimo é silenciar na presença, é falar com os olhos. É ser responsável, é ser coautor, é ser cúmplice. Cumplicidade anterior ao próprio saber-se. Cumplicidade que supera as limitações pessoais. Cumplici­dade que oportuniza o voo livre com asas abertas para saborear o mergulho no profundo do outro, confiante no pouso seguro.

Intimidade é ler nas entrelinhas. É aceitar sem impor condições. É não exi­gir. É saber respeitar. Ter intimidade é possuir sintonia fina nos sentidos. É dar espaço e tempo. É ancorar na margem descoberta depois de muitas viagens. É poder pisar em terra firme, encontrando abrigo. É estender as mãos e colher o abraço invisível.

Ser íntimo de alguém é saber-se multiplicado em dobro, dividindo o melhor e o pior de si mesmo em duas porções iguais e distintas. O banquete é sempre duplo.

Só é capaz de ser íntimo quem tem sensibilidade de pele e perspicácia na alma em idêntica perspectiva. Pois quando um não é transparente, dois não são íntimos!

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