Eu não me sinto amado

Otávio Avendano é Psicanalista, hipnoterapeuta e neurocientista do comportamento humano. (Foto: Arquivo Pessoal)

Conta-se que Francisco de Assis, o meigo frade amante da natureza, certa feita estava capinando sua horta. Praticamente cego, com seu corpo cansado, fora interpelado por um de seus seguidores, que lhe propunha uma reflexão em forma de pergunta: “Pai Francisco, o que o senhor faria se, neste exato momento, soubesse que morrerias ainda hoje?”.

A resposta do frade foi simples e instigante: “Se eu soubesse que morreria hoje, eu continuaria capinando a minha horta”. A cada vez que eu lembro dessa história, sou tomado por uma comoção forte, pois o irmão do sol e da lua deu-nos uma profunda lição sobre os relacionamentos, correlacionando-os aos cuidados de uma horta. O agricultor atento sabe quando a planta está precisando de água, o solo de adubo, quando a erva daninha começa a crescer e atrapalhando a horta…

E relacionamento é exatamente isso, precisa de atenção e, sobretudo cuidado. O cuidado com o outro, os pequenos gestos de delicadeza, de prestar atenção no que o outro faz, do que gosta. Carinho é um conjunto de pequenos gestos na simbólica horta do amor.
Não se trata aqui de grandes manifestações, mas do cotidiano do relacionamento, coisas simples. O café da manhã, o desejo de bom dia, o apoio mútuo e a caminhada lado a lado.

Ocorre que, seja por reflexos da infância ou do próprio histórico de relacionamentos, muitas pessoas não se sentem merecedoras de um amor verdadeiro e forte, e acabam caindo em um vício, que é o da dependência emocional. Quantas pessoas se submetem a relacionamentos miseráveis por não achar que merecem ser amadas!

Tenta responder, leitor amigo: por que tu amas alguém que te humilha, que não te respeita, que te coloca em uma condição secundária? O que aconteceu contigo para não seres mais tu e se tornar terreno baldio do lixo afetivo das pessoas, onde tu só és lembrado quando “sobra tempo”?

Onde foi que nos perdemos a ponto de mendigar uma ligação, uma refeição juntos, um “eu te amo” no meio da tarde, sem precisar esperar? Será que todo o investimento que eu fiz em mim foi para viver em função de um afeto patológico e doente?

Isso é um vício. É porque eu me amo muito pouco. Preciso reconhecer que mereço ser amado de forma digna e completa, não dependendo das migalhas afetivas.

Temos percebido (é claro que não estou falando da situação onde a gente se sacrifica o tempo todo e abre mão da própria felicidade) que ainda há um conceito muito egoísta nas relações, onde eu caso para EU ser feliz. Eu entro em uma relação para apoiar e ser apoiado, é um espaço coletivo.

Vamos refletir sobre o quanto estamos sendo uma boa companhia a nós mesmos? O amor próprio nos blinda do desamor.

*Especialista em Hipnose Clínica e pós-graduado em Neurociências e Comportamento

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