Nesta semana, no dia 03 de julho, é celebrado no Brasil o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. Tal data se justifica porque, em 1951, há exatos 70 anos, o Congresso Nacional aprovou a primeira lei antirracista do país, que ficaria mais conhecida como “Lei Afonso Arinos”, nome do Deputado Federal mineiro que apresentou o projeto de lei à Câmara dos Deputados.
Referida lei foi aprovada em um contexto social em que os negros, mesmo depois de seis décadas da abolição da escravidão, continuavam sendo vítimas de preconceito e ocupando as posições mais baixas da sociedade sem que o poder público se preocupasse com isso. Todavia, o estopim para apresentação do projeto de lei foi a recusa de um hotel paulistano em hospedar a bailarina e ativista do movimento negro americano Katherine Dunham por ela ser uma “mulher de cor”.
Em seu texto, a Lei Afonso Arinos classificava como contravenção penal a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor. Entretanto, de acordo com um levantamento do historiador porto-riquenho Jerry Dávila, apenas 23 pessoas acusadas de transgredir a Lei Afonso Arinos responderam processo entre 1951 e 1989 e, dessas, somente seis foram condenadas por atos como recusar a matrícula em colégio e barrar a entrada em bailes.
Apesar de os jornais continuarem noticiando episódios frequentes de racismo na época, praticamente ninguém cumpriu pena por ter cometido discriminação racial. Isto se explica porque os atos racistas eram enquadrados como meras contravenções penais, isto é, infrações menos graves que crimes e com punições mais brandas. A prisão, nesse caso, jamais poderia ser em regime fechado, de modo que, pela Lei Afonso Arinos, os atos racistas tiveram a mesma gravidade da exploração do jogo do bicho, por exemplo.
Além disso, em seus quase 40 anos de vigência, a Lei Afonso Arinos também foi enfraquecida pela negação generalizada do racismo. Enquanto os Estados Unidos e a África do Sul eram retratados como os países verdadeiramente racistas naquela época, os atos racistas praticados no Brasil eram vistos como meras exceções ou incidentes isolados.
Conforme explica o doutor em história Walter de Oliveira Campos, “apesar de todas as deficiências que enxergamos hoje, precisamos entender as condições sociais e políticas do Brasil da época que impediam a aprovação de uma norma mais abrangente e eficaz que a Lei Afonso Arinos”. Em outras palavras, a lei estava em sincronia com seu tempo, não podendo ser considerada, portanto, como atrasada.
De qualquer forma, temos que reconhecer que a Lei Afonso Arinos foi um divisor de águas no tocante ao combate à discriminação racial no Brasil, pois é a primeira legislação nacional que aborda sobre o tema.
Passados esses 70 anos, embora o Brasil tenha avançado consideravelmente nas discussões jurídicas e raciais, ainda falta, a nós, colocar muitos desses avanços em prática. Importante dizer, também, que o Direito Penal não deve ser o único meio de combate ao racismo, pois, ainda que a norma seja dura, não impede a prática dos atos nela descritos, isto é, racismo não se combate somente com o Direito Penal, racismo se combate com políticas públicas.
Por fim, podemos perceber que, felizmente, a partir dos anos 2000, o Brasil vem mudando sua forma de legislar sobre o racismo, passando de leis focadas exclusivamente na punição para leis voltadas à inclusão, deixando evidente a importância da representatividade e de ter pessoas negras ocupando espaços de poder.