A teoria da miséria e a prática da pobreza

O anúncio de que a pandemia ceifou mais de 500 mil vidas no Brasil preocupa no conjunto da obra, mas também revela detalhes e consequências que se fazem presentes no interior das moradias. As mazelas sociais que já existiam no país tomaram novas proporções, no que se refere à fome, desemprego, pobreza e transtornos causados a pessoas já castigadas por aqueles que teorizam a miséria e não se dão conta de que ela existe de fato. Políticas de “atacado” esquecem que, quando chegam nas ruelas e becos, o sofrimento recebe nome e sobrenome e deixa de ser uma estatística.

Recentemente, duas informações passaram batidas pelos noticiários e o debate público: as pesquisas de instituições respeitáveis apontam o distanciamento entre as classes sociais, repetindo o que parece ser um bordão de que “os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”. Junto com projetos de saneamento, promessa feita há décadas a respeito de esgoto, especialmente, que chegou aos grandes centros, mas, convenientemente, esqueceu de chegar às periferias.

O então ministro Delfim Netto dizia que era preciso “aumentar o bolo para depois reparti-lo”. A economia já teve altos e baixos, mas a população não soube do que era feita a massa ou a cobertura. Passado meio século, os discursos se assemelham, destacando-se os números da economia como promissores, enquanto despencam os índices do desenvolvimento social, arrastados por desemprego e o esfacelamento de áreas fundamentais como a saúde, a educação, a segurança e a moradia.

O prefeito Bernardo de Souza, nos anos 80, tinha um sonho: avançar a implantação de esgotos cloacais, já com algum alcance em áreas centrais, mas incipiente na periferia. Recebeu a crítica de outros políticos por ser obra enterrada e que não rendia votos. Na época, elencava a contribuição para a saúde pública, que beneficiaria, especialmente, populações pobres. Não concretizou e, ainda hoje, moradores de bairros e vilas sofrem com valetas e dejetos que apodrecem em meio às ruas.

A dita “Constituição Cidadã” já assegura que o brasileiro tem o direito ao saneamento básico, num conjunto de serviços que prevê o abastecimento de água, esgoto sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais. Um tostão pelo seu pensamento e se acredita que isto está em vias de se concretizar. A nua e crua realidade está nos números de 2018: 83,6% da população tem água em suas casas e 53,2% tem acesso ao esgoto tratado.

A mentalidade continua a mesma, com a miséria na teoria e a pobreza na prática. Ainda se pensa que obra enterrada não dá voto e quem mora nas vilas mais distantes encontra valetas a céu aberto e esgotos jogados nas sangas, que deveriam ajudar o escoamento das águas das chuvas. A palavra da moda é “transparência”, acompanhada de fiscalização e punição para todo o tipo de corrupção – dos grandes aos pequenos desvios de dinheiro, por exemplo. Prestação de serviços do setor público é a devolução em benefícios do que se paga em tributos. Elementar, na tese; mas tão difícil, na prática.

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