Nos dias 5 e 6 de outubro de 2019 ocorreu em Canguçu, Capital Nacional da Agricultura Familiar e Maior Minifúndio das Américas, a 9ª edição da Feira de Sementes Crioulas e Tecnologias Populares. O evento é muito aguardado entre produtores, estudantes, comércio local e demais grupos, porque apesar de ser um público definido, a Feira de Sementes movimenta a Economia Solidária, que está inserida na economia municipal, uma vez que o volume de vendas impacta significativa e positivamente os produtores que lá esporam seus produtos, oriundos da agricultura familiar.
Há uma intensa troca de saberes, cada vez que se realiza um evento como este. Como disse o nosso patrono da educação brasileira, o pedagogo Paulo Freire: “Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes”. Este pensamento define a feira, uma vez que nestes encontros se aproximam pessoas de vários lugares, de várias matrizes culturais, de várias realidades econômicas, de vários núcleos intelectuais, se misturando tudo num só propósito: trocar informações e sementes.
Podemos sim considerar tudo que é material, na feira, podemos simbolizar ainda que filosoficamente como uma semente, pois um livro vendido, uma ferramenta vendida, um artesanato que foi comercializado, tudo é semente de oportunidades e de transformação do ambiente aonde elas, estes objetos serão usados. Seja como enfeite, seja como ferramenta manual de trabalho, ou de estudo, tudo que ali passa, transforma um pouco da vida de quem adquire, troca, ganha ou escuta.
As palavras são sementes que viajam na voz dos ventos, e atingem os corações daqueles que escutam, que sentem, e que refletem sobre o conhecimento trocado, com os que sabem e possuem este acervo e os que querem porque precisam deste conhecimento, seja para o trabalho ou pela simples curiosidade de saber sobre algo que gostam.
As mãos judiadas, da lida bruta, do trabalho árduo, os rostos cansados e sofridos pelos rigores do tempo e da vida, o silêncio e paciência daqueles que por muito já andaram, já plantaram, já colheram e já sofreram. Quantas decepções, quantas tentativas de novamente insistir… ao mesmo tempo, os rostos alegres da infância, que viceja esperança. A rebeldia da juventude, que não ousa ficar parada, e que se movimenta que luta e que nos convida a sairmos das nossas zonas de conforto. A arte, finamente acabada, e ao mesmo tempo simples, sem adornos acadêmicos, nos artesanatos ali presentes, fruto do trabalho e suor, de uma atividade que envolve mais sentimento do que preocupação financeira. Quanta comunhão de saberes, de ideias, de fé!
Um evento como este, movimentando todas estas forças precisa ser respeitado, precisa ser elogiado, ainda mais quando ele se concretiza com muito esforço e dedicação por parte de seus organizadores. As sementes são por natureza guardiãs da energia criadora, se a mesma tiver as condições ideais, por uma força superior ela germinará, ela crescerá, ela se desenvolverá e atingirá o seu fim.
E o que na vida de todos nós, não tem uma trajetória semelhante? Somos também como sementes crioulas, não estamos na mão de uma grande empresa, que só visa o lucro e o benefício de seus sócios, somos únicos e não dependemos de fatores adversos para frutificarmos, ou seja, ofertar o que de melhor nós temos para transformar o espaço em redor que habitamos. E essa transformação não precisa ser grande ou estrondosa, basta que apenas aconteça como a germinação de uma sequoia, uma das maiores árvores do mundo, que nasce tão minúscula, que mal se percebe sua germinação.
Nesta “sociedade líquida” na qual vivemos, encontros como da feira, é necessário para fortalecermos nosso entendimento como crença em um mundo melhor, que evolui e permanece ainda como o dos nossos antepassados! Vida longa às sementes crioulas e aos resistentes agricultores que as guardam em silêncio!